Referendo CPAS – Pensar fora da caixa
Hoje, a advocacia será chamada para se pronunciar, por meio de referendo, se pretende manter a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) como obrigatória, ou ter a possibilidade de optar entre esta e o regime geral da Segurança Social. Para que melhor se entenda, a CPAS, que tem regime próprio e gestão privada, é, ao fim e ao cabo, a Segurança Social dos Advogados e Solicitadores. Ou pelo menos, deveria sê-lo – já lá vamos.
A CPAS nasceu como um sistema de previdência que na sua génese visava, antes de tudo, a gestão e atribuição das reformas aos advogados. É um sistema de solidariedade intergeracional, em que os advogados no ativo asseguram as reformas dos atuais 65 mil pensionistas.
Sucede que o paradigma da advocacia mudou radicalmente nos últimos anos. As dinâmicas são outras, tal como são outras as exigências, necessidades e sensibilidades. A CPAS do alto da sua arrogância prepotente, continua imutável e insensível a tudo o que a rodeia. Teve tempo e oportunidade de evoluir para uma vertente mais assistencialista, mas não o fez.
Dito isto, a esmagadora maioria dos advogados, além de insatisfeita, não confia na CPAS. Por falha de comunicação ou por condicionalismos orgânicos e funcionais, a CPAS apresenta-se-nos como um obstáculo ao exercício da profissão – como um custo sem contrapartida. Igualmente mal anda a Ordem dos Advogados, que se demite de qualquer responsabilidade e tenta passar entre os pingos da chuva, numa questão fraturante desta natureza. Se é certo que uma e outra não se confundem ou misturam, a verdade é que cabe à Ordem – acima e mais que tudo - a defesa, nem que seja moral, dos direitos dos advogados. Mas não o faz em relação à CPAS, a não ser quando é obrigada a fazê-lo e este referendo é testemunho disso.
As principais causas de descontentamento com a CPAS prendem-se, essencialmente, com o valor das futuras pensões e com a ausência de proteção razoável na doença, na maternidade e na paternidade, não obstante alguns seguros e valores atribuídos aqui e acolá. Além disso, as contribuições mensais obrigatórias dos advogados são feitas com base num rendimento presumido, em que se permite, em abstrato, que um advogado em início de carreira, tenha de suportar o mesmo valor mensal que um advogado com largos anos de carreira. Coloca-se também a questão da sustentabilidade da própria CPAS, no sentido em que num futuro próximo, o número de advogados ativos poderá ser insuficiente para assegurar as reformas.
Aqui chegados, no próximo dia 30, a advocacia terá oportunidade de se pronunciar se prefere a manutenção na CPAS, se prefere a transição global para o regime geral da Segurança Social ou ainda, uma terceira opção, se prefere a coexistência dos dois sistemas, com opção individual por um deles.
Por tudo o exposto, entendo que a manutenção na CPAS é impossível por insuficiente e inadequada. Simplesmente não serve o propósito que, independentemente de quaisquer interpretações literais do seu Regulamento, poderia e deveria servir. A terceira opção mitigada, em que se daria a possibilidade de escolha individual por um sistema ou por outro, seria, em meu entendimento, catastrófica, já que, prevendo-se uma migração em massa para o sistema da Segurança Social, a CPAS seria deixada quase ao abandono, sem meios de se financiar.
A melhor solução será a de uma transição global para o sistema da Segurança Social e consequente extinção da CPAS.
Contudo, esta transição não poderá ser feita de ânimo leve. Terá de ser feita de forma ponderada, consequente e acima de tudo coerente. Há situações que carecem de especial atenção nesta mutação, já que importam direitos adquiridos e legítimas expectativas que têm, naturalmente, de ser salvaguardados. Os valores das reformas dos atuais e futuros pensionistas; as contribuições feitas por advogados que já descontaram para o regime da Segurança Social, por terem vínculos públicos, que não podem ser prejudicados por esta migração; as dívidas dos atuais beneficiários ou o destino do património imobiliário da CPAS, são um conjunto de situações que merecem análise à lupa.
O referendo tem por fim único a auscultação formal da advocacia e estou em crer que o verdadeiro desafio virá na execução desta migração. Para isso precisamos de uma Ordem dos Advogados disponível, isenta e imparcial, já que estamos em terreno fértil para a demagogia, como já apontam as sucessivas comunicações recebidas por correio eletrónico.
Entre a incerteza da Segurança Social e a certeza da CPAS, a advocacia quererá deixar para trás aquilo que conhece. Foram vários os avisos dados à CPAS, que nunca se mostrou verdadeiramente disponível para colaborar - a advocacia cansada de pensar fora da caixa, agora quer sair dela.