Velhices
Por ocasião da Semana da Vida 2021 - CUIDAR DOS NOSSOS IDOSOS - o Cardeal D. José Tolentino de Mendonça diz, na sua parte final:
“Com razão, James Hillman (psiquiatra americano) escreveu: «Envelhecendo eu revelo o meu carácter, não a minha morte.» A velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor. O Amor em si. A Esperança sem mais”.
E termina a sua mensagem dizendo:
“Uma das lições que se pode tirar desta pandemia será: As Famílias têm de ser protagonistas de uma nova forma de encarar e cuidar da velhice, os velhos são os nossos Mestres.” (vídeo publicado em 14/5/2021 – Ecclesia)
De propósito intitulei esta minha reflexão no plural, já que entendo que assim poderei expressar melhor o meu sentir sobre esta temática, pressupondo que a expressão levantará, à priori, sentimentos diferentes a quem o ler, que vão desde os mais jovens que vêm nos seus avós isso mesmo, até aos mais idosos que sentirão repudio ao termo, por mero sentimento de negação.
“Os meus velhinhos” expressam um misto de carinho e amor aos mais sensíveis, sendo que outros se ofenderão ao lê-lo ou ouvi-lo. Daí que políticos e gentes dos média evitem essa terminologia.
Como do alto dos meus 75 anos encaixo-me neste grupo, nada me impedirá de utilizar essa expressão - já que não sou político, nem jornalista – pois entendo que há muitas velhices.
Começo por aqueles que vivem os últimos anos da sua vida na companhia e alegria dos seus familiares e amigos, autónomos física e mentalmente, nas suas residências, sem restrições de qualquer espécie, sem qualquer dificuldade insuperável, sem necessidade de recorrer a sistemas coletivos de alojamento, pois tiveram uma vida profissional, pessoal, familiar e económica desafogada - sem grandes problemas de saúde, sempre usufruindo de todas as mordomias que a vida social lhes proporcionou.
Contrariamente, outros há que, por ausência de companheiro/a, ajuda de familiares e amigos, necessitam de um certo tipo de alojamento, para superarem essas necessidades. E porque a sua autonomia é ainda real e sustentável, necessitarão apenas de, cautelosamente, dispor de “companhia” coletiva para as dormidas e convívio social.
Outros ainda dispensarão esses apoios porque têm familiares próximos que os acompanharão nas dormidas. Este gradiente de necessidades refletir-se-á nos vários sistemas que estão ao dispor dos velhinhos: lar dormitório; centro de dia, centro de convívio.
Há também aqueles que, mesmo tendo familiares por perto, necessitarão de outro tipo de serviços porque perderam a sua autonomia física ou mental. Se estivermos em presença duma habitação adequada, com recurso à contratação de cuidadores habilitados, constituirão uma boa alternativa aos “Lares de idosos”, “Lares de 3ª Idade”, “Residências Sénior”, etc....
Estas unidades e em função da capacidade económica de cada um, terão mais ou menos meios ao dispor do velhinho/a. A verdade é que este sistema tem sido desenvolvido por todo o tipo de investidores, desde aqueles com fins puramente lucrativos a outros - como as misericórdias, municípios e associações de vária ordem - com fins meramente humanitários e sem ter no lucro o seu objetivo principal.
Se é verdade que os abastados podem socorrer-se destes meios, já os menos afortunados estão sujeitos à disponibilidade desses locais, dependentes de prestadores sociais que, sendo escassos, dificultam o seu acesso.
Aqui entram vários problemas na equação, começando, naturalmente, pelas obrigações da segurança social (SS), câmaras municipais, misericórdias, associações de toda a ordem (genericamente IPSSs) sendo certo que a escassez de meios físicos e económicos são o busílis da questão.
Haverá com certeza obrigação governativa para enfrentar esta escassez, que se agrava quando se pensa num outro grupo de pessoas que não tendo qualquer meio de sustento, nem direitos, nem reformas, nem saúde para enfrentarem a velhice. Refiro-me aos “sem abrigo” que enfrentaram em toda ou quase toda a sua existência, dificuldades de todo o tipo.
A verdade é que sentimos que este problema é atirado incessantemente para os fundos que hão de vir, ora nas bazucas, ora nos variadíssimos subsídios que têm sido sempre postos ao dispor, sobretudo dos parceiros sociais (IPSS e Municípios), mas também dos privados. Sabemos, porém, que os recursos são sempre escassos ou muito mitigados, de maneira que este problema se arrasta permanentemente duns para outros governos, camaras, misericórdias, associações, parceiros sociais, sem solução à vista e sem programa credível para resolução deste gravíssimo imbróglio social…
Resta ainda pensarmos e dedicarmos o nosso raciocínio a um outro “cancro” social que é o dos cuidados paliativos e cuidados de saúde de longa duração.
Naturalmente que estes cabem ser resolvidos por todos nós, não só saúde, mas também SS e sociedade civil no geral. Não é aceitável querermos que os nossos hospitais estejam disponíveis 24 horas por dia para tratar de todos nós, quando estes são permanentemente bombardeados por situações de cariz social e familiar que impedem desocupar camas agudas, tornando-as em hospedarias e prejudicando o seu bom funcionamento com rotação ativa. Embora já muito se tenha escrito sobre isto, estas situações continuam a ser, infelizmente, muito frequentes e com múltiplos fatores, quer sociais, quer organizacionais.
Entendo que alguns casos poderiam caber nas situações descritas anteriormente, mas outros necessitam de ser transferidos para outros estabelecimentos hospitalares, para não agudos, até que possam ser restituídos à sociedade curados ou em vias de isso.
Estes concidadãos necessitam de tratamento médico e de enfermagem, os quais não deveriam nunca ser prestados num hospital de agudos.
O investimento que se tem feito neste tipo de estabelecimentos, tem sido “paliativo” para utilizar um termo adequado e pouco ofensivo, para quem tem que decidir, mas não encontra cabimento financeiro para o poder fazer.
Temos que adequar o paradigma dos orçamentos à realidade da sociedade em que nos integramos, copiando e seguindo as orientações doutros países, que reconhecidamente são mais ricos que nós, mas também o são, porque sabem servir melhor a sociedade que os integra.
Já aqui escrevi em tempos sobre maneiras de “prolongar” a produtividade dos velhinhos, contribuindo estes para o PIB nacional, que por sua vez poderia ser convertido em financiamento destas políticas sociais, tão imprescindíveis e necessárias. Será certamente um exercício exigente, mas produtivo.
Nota: Aconselho a leitura dum artigo do Diário de Notícias de Lisboa secção Dinheiro por Diogo Ferreira Nunes (30 de Maio de 2021) com o título “55+.O projeto que dá nova vida aos seniores (e uma recompensa na carteira)”