'Geração de ouro' portuguesa revalidou título mundial de sub-20 há três décadas
A seleção portuguesa revalidou o título mundial de sub-20 há três décadas em Lisboa, dois anos e três meses após o inédito triunfo em Riade, novamente treinada por Carlos Queiroz e com futebolistas da eterna 'geração de ouro'.
Em 30 de junho de 1991, a equipa das 'quinas' venceu o Brasil na final (4-2 nos penáltis, após um 'nulo' no prolongamento), num antigo Estádio da Luz com mais de 127.000 espetadores, a segunda maior assistência de sempre em provas organizadas pela FIFA.
Portugal repetiu o triunfo de março de 1989 graças às conversões certeiras de Jorge Costa, Luís Figo, Paulo Torres e Rui Costa, enquanto os então bicampeões mundiais (1983 e 1985), de Roberto Carlos, desperdiçaram por Giovane Élber e Marquinhos.
O avançado atirou à barra e o médio permitiu a defesa de Fernando Brassard, que, a par do 'capitão' João Vieira Pinto, replicou o êxito de Riade em Lisboa, desta vez ladeado por outros nomes que seriam basilares nas prestações da seleção 'AA', de 1996 a 2006.
Se Fernando Couto e Paulo Sousa foram os mais afamados na equipa de 1989, a versão de 1991 reuniu Jorge Costa, Abel Xavier, Rui Costa e Luís Figo, designado o melhor do mundo pela FIFA em 2001, um ano após conquistar a Bola de Ouro da France Football.
Experiência na seleção principal tiveram ainda Emílio Peixe, eleito o melhor jogador do Mundial de sub-20 de 1991, ou Paulo Torres, melhor marcador da equipa das 'quinas', com três golos em seis encontros, além de Nélson, Rui Bento, Nuno Capucho e Tulipa.
Do lote de 18 campeões mundiais constavam também Tó Ferreira, Cao, João Oliveira Pinto, Gil Gomes, Luís Miguel Martins e Toni Gama, que granjearam bem menos mediatismo no futebol profissional e limitaram-se quase todos às divisões portuguesas.
Com a Nigéria a perder a organização da oitava edição da principal competição mundial de seleções jovens, por se ter envolvido em casos de falsificação de idades de atletas, a FIFA dispersou as 16 equipas participantes por Lisboa, Porto, Guimarães, Braga e Faro.
Apesar de distante da dimensão da Expo98 ou do Euro2004, a receção do Mundial de sub-20 gerou uma onda de entusiasmo no país entre 14 e 30 de junho de 1991, até pela franca possibilidade de a equipa das 'quinas' revalidar o título diante dos seus adeptos.
O trajeto vitorioso começou em 14 de junho, com sensivelmente 65.000 espetadores a verem a cerimónia de abertura no já demolido Estádio das Antas, no Porto, onde João Vieira Pinto e Capucho marcaram os golos da vitória sobre a República da Irlanda (2-0).
Três dias depois, noutro estádio que já não existe, a 'velhinha' Luz, Portugal garantiu a qualificação para a ronda eliminatória, ao derrotar a Argentina (3-0), com tentos de Gil, Paulo Torres e Toni, num jogo marcado por três expulsões de jogadores 'albicelestes'.
Um livre indireto finalizado por Paulo Torres bastou para Portugal confirmar o pleno de vitórias no Grupo A (1-0), em 20 de junho, também no antigo recinto do Benfica, desta feita frente à seleção unificada da Coreia, que nunca mais foi recuperada no futebol.
A abrir a fase decisiva, em 22 de junho, os pupilos de Carlos Queiroz precisaram de um golo de Toni no prolongamento para afastar o México (2-1), após Bruno Mendoza ter respondido ao penálti de Paulo Torres, naquele que foi o único tento sofrido pelos lusos.
Portugal permaneceu na Luz e apoiou-se quatro dias mais tarde num golo de Rui Costa para se impor nas meias-finais à Austrália (1-0), deixando em êxtase 112.000 adeptos e delineando uma final lusófona com o Brasil, que afastara a antiga União Soviética (3-0).
Num ambiente festivo sem memória, com a assistência a extravasar largamente a própria lotação do recinto, os 'canarinhos' tiveram dois golos anulados e os anfitriões cresceram com o avanço do relógio, sem que ninguém evitasse a decisão apenas na 'lotaria' dos penáltis.
O futuro 'maestro' Rui Costa converteu o pontapé decisivo e correu para celebrar junto às grades que separavam as bancadas do relvado, enquanto João Vieira Pinto recebia o troféu das mãos do então Presidente da República Mário Soares na tribuna presidencial.
Portugal nunca mais venceu o Mundial de sub-20, mesmo tendo disputado 12 das 22 fases finais, nas quais sobressaem um terceiro lugar, em 1995, e uma final perdida com o Brasil, em 2011, após o sucesso tão imprevisto quanto inolvidável na Arábia Saudita.
Os golos de Abel Silva e Jorge Couto na final com a Nigéria (2-0), em março de 1989, coroaram a versão inicial da 'geração de ouro', capitaneada por Tozé e orientada por Carlos Queiroz, que entrou na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) dois anos antes.
Convidado para desempenhar o cargo de selecionador nacional nas camadas jovens, o técnico de raízes moçambicanas investiu na reestruturação das bases do futebol luso, revolucionando métodos de treino e incrementando a formação académica e técnica.
A profissionalização da FPF, sob o signo de uma nova mentalidade coletiva, acelerou a maturação competitiva do talento nacional, responsável por converter idas ocasionais numa presença constante das várias seleções em fases finais de Europeus e Mundiais.
Queiroz nada surpreso com treinadores advindos da 'geração de ouro'
Vinte e cinco dos 36 futebolistas portugueses campeões mundiais de sub-20 em 1989 e 1991 já trabalharam em equipas técnicas de clubes ou seleções, tendência nada inesperada para o então selecionador luso Carlos Queiroz.
"A apetência normal e comum dos ex-jogadores é quererem ser treinadores. Isto já foi mais do que agora, porque nem todas as pessoas têm essa vocação. Uma coisa é certa: quando acabam as carreiras, estão mais à vontade para definir os objetivos de vida consoante as suas motivações pessoais e familiares", notou à agência Lusa o treinador.
Filipe Ramos e Rui Bento, ambos vitoriosos no Mundial de 1989, na Arábia Saudita, são os atuais selecionadores de sub-20 e sub-19, respetivamente, enquanto Emílio Peixe, considerado o melhor jogador do torneio de 1991, em Portugal, comanda os sub-18.
"Quando voltei à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) em 2008 e me pediram para rever as plataformas de funcionamento que lá estavam desde que saí em 1993, decidi abrir a porta a jovens treinadores que tinham feito carreiras brilhantes no nosso futebol e tinham esse sabor de campeões europeus e mundiais debaixo da boca", rememorou.
A intenção de Carlos Queiroz era consciencializar as novas fornadas de talentos para a necessidade de corresponderem a elevados padrões de exigência, usando ex-atletas convertidos em treinadores para "transmitir imagens emocionais de ambição e glória".
"Claro que os títulos fazem crescer e são sabores que nos ficam para sempre debaixo da língua. Ser campeão em qualquer coisa é como um estupefaciente: temos de conviver com ele até ao resto da nossa vida. É isso que nos faz ir lá abaixo e querer treinar mais para que esse sabor nunca mais termine. Agora, não foram estes títulos que criaram grandes ilusões neles. O sonho começa quando querem ser profissionais", defendeu.
Parte do lote de campeões entregou-se a funções diretivas em clubes portugueses ou trabalha no agenciamento de futebolistas, ao passo que outros desligaram-se de vez, após trajetos nos relvados bem distintos quanto a sucesso desportivo e mediatismo.
"Ninguém me surpreendeu pela positiva, porque esperei sempre e imaginava um futuro risonho e brilhante para todos eles. Talvez uns mais e outros menos, mas tive a ideia de que todos eles iriam cumprir o sonho que os fez levar ali. Só que depois vem a vida, que não é uma ponte fixa, rígida e sólida, abana e às vezes tem buracos pelo meio", admitiu.
Como em tudo na vida, "nem todos chegam aos sonhos", penalizados por "lesões e infelicidades de carreira" ou "metendo a mão na consciência por razões mais próprias", panorama que não impede Carlos Queiroz de designar todos como "lutadores da vida".
"Acho que existe ainda um hiato a preencher no plano social e valia a pena os nossos responsáveis abrirem um departamento para que a FPF pudesse refletir sobre uma ou outra situação individual, porque não se pode esquecer uma única pessoa que num único jogo tenha vestido a camisola da seleção nacional e tenha trazido prestígio e honra ao país. Na minha visão, fazer isso é um desleixo e uma desatenção imperdoável", sugeriu.
O ex-selecionador nacional 'AA', entre 1991 e 1993 e 2008 e 2010, considera que a missão do organismo federativo é "passar também um exemplo de referência aos modelos que, eventualmente, não cheguem ao topo", para lá de difundir "imagens de popularidade".
"Não podemos estar sempre disponíveis para aplaudir os golos do Cristiano e esquecer todos aqueles que ajudaram hoje o Ronaldo e amanhã o Bernardo Silva e o Diogo Jota a chegar ao patamar onde estão. É importante saberem de onde viemos e as raízes, que vão dignificar cada vez mais o futuro. Isto é, o que faz Luís Figo e Cristiano Ronaldo cada vez maiores é sabermos que há 10 ou 20 anos vimos coisas quase do zero", elucidou.
A mensagem de Carlos Queiroz tem como destinatário preferencial a "memória viva" das gerações abaixo dos 30 anos, que poderão pensar que Portugal "tinha minas de ouro" quando ouvem falar de uma 'geração de ouro' futebolística eternizada há três décadas.
"Estivemos a divertir-nos com a nossa seleção no Euro2020, mas, por detrás desses heróis do momento, estão outros já a preparar o futuro das seleções que vão garantir o êxito de Portugal. Não começámos a pensar no Europeu três meses antes, mas de forma cumulativa, preparando jogadores e equipas a curto, médio e longo prazo", finalizou.