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O “efeito Mozart” é morto … viva o “efeito Mozart”!

Quem teve filhos na década de 90 provavelmente ouviu algo sobre os benefícios da exposição à música de Mozart para a sua inteligência. E talvez foi à loja comprar um ou vários CDs que na altura surgiram que nem cogumelos depois de chuva. Essas seleções de obras do génio austríaco (e sobretudo a Sonata para Dois Pianos em Ré maior, K. 448) iam supostamente ampliar o QI dos bebés (pelo menos temporariamente), promover criatividade, imaginação e capacidade de aprendizagem dos mais velhos, e até reduzir o stress, depressão ou ansiedade dos adultos. Tudo isso aconteceu na sequência duma pesquisa publicada em 1993 por um grupo liderado pela psicóloga Frances Rauscher, que sugeriu a existência da causalidade entre a exposição a esta música e o melhoramento temporário do raciocínio espaciotemporal (sendo que a pesquisa original foi efetuada com estudantes universitários). Uma simplificação grosseira deste resultado, efetuada tanto por leigos e imprensa sensacionalista como pelas empresas que cheiraram a oportunidade de lucro, fez com que, de repente, o “efeito de Mozart” (“Mozart effect” – o termo “emprestado” do investigador francês Alfred Tomatis que o concebeu dois anos mais cedo, mas num contexto não propriamente relacionado com o novo propósito) implicasse o aumento permanente da inteligência geral, e até nos grupos que nunca foram estudados (bebés e crianças).

Essa falácia foi sobretudo perpetuada nos EUA onde, conforme uma pesquisa, os supostos efeitos foram particularmente noticiados e badalados nos estados com sistemas educacionais mais frágeis. O auge desta campanha foi alcançado em 1998, quando o governador do estado de Geórgia propôs incluir no orçamento mais de cem mil dólares para todos os recém-nascidos receberem um CD ou cassete com música de Mozart. Perante uma certa relutância dos legisladores, a corporação Sony (com uma grande fábrica no estado) fez um investimento perspicaz e ofereceu esses CDs a todos os pais, colocando-os depois à venda geral nos EUA e no mundo. Vários estados americanos acabaram por introduzir leis que exigiam que as creches financiadas pelo Estado passassem a música clássica como fundo ou doassem um CD de música clássica a novas mães no hospital. Foi o início de uma mini-indústria intensa, com coleções de CDs de obras “especificamente indicadas” e até dois livros de psicologia popular sobre o efeito em geral e o efeito em crianças, a serem publicadas por várias editoras, mas que não durou muito.

Já nos finais da mesma década, foi revelado que as pesquisas semelhantes não conseguiram duplicar inequivocamente os resultados da original e que a ligação causal foi demasiado especulativa, para nem falar da relevância quase uniforme, sugerida pelos leigos e tendenciosos. Mas a bola de neve da publicidade infundamentada, que entretanto se formou, foi quase imparável, tanto que, quando depois de quase duas décadas recentemente se começou a falar novamente sobre o “efeito Mozart”, mas num contexto diferente, a sobreposição dos significados do “antigo” e do “novo” bem pode confundir alguém que não esteja dentro do assunto.

Acontece que, ainda na semana passada, foi apresentada uma pesquisa no sétimo congresso da Academia Europeia de Neurologia que demonstra a capacidade antiepiléptica da música de Mozart. Curiosamente, foi a mesma obra, a Sonata para Dois Pianos K. 448 que causou uma redução de 32% das descargas elétricas no cérebro. Contrariando a hipótese do passado, a equipa radicada em Brno, República Checa, verificou que a redução foi maior na parte do cérebro que traduz sinais acústicos e não tanto na região ligada à resposta emocional à música. Isso quer dizer que a reação do cérebro tem a ver mais com a própria configuração acústica desta música do que com o prazer da experiência ou aspeto afetivo atribuído. Um ano atrás, uma outra equipa, em Toronto, Canadá, utilizando a mesma obra de Mozart, verificou também a redução do número dos ataques e a causalidade com o específico perfil acústico da obra. Possivelmente, estes resultados abrirão o caminho para terapias individualizadas, para alguns de cerca de 50 milhões afetados no mundo inteiro (6 milhões apenas na Europa).

E, enquanto a “psicologia pop” continua motivada muitas vezes pelo lucro ou fama e alimentada pela necessidade (e, às vezes, desespero) humana de encontrar saídas possíveis das suas mais variadas situações individuais (sendo que, nos EUA, foi propriamente identificada uma obsessão pela educação dos mais jovens), a verdadeira ciência, trabalhando com persistência e rigor, continua a procurar e a encontrar soluções, desta vez para uma condição imprevisível e incapacitante.