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Madeira

Concertos e casas NFT, a euforia continua

Os non-funglible token continuam a desbravar caminho. A banda que quer fazer o primeiro concerto através da blockchain estreia na Madeira, no Festival Aleste, a 26 de Junho

Ainda que a volatilidade das criptomoedas não ofereça garantia a ninguém, não faltam investidores a acreditar no potencial das moedas digitais, mesmo não sendo emitidas pelos governos.  A The Economist, por outro lado, voltou a explorar o tema e antevê um futuro com moedas digitais emitidas pelos bancos centrais.  

 O certo é que associados a estas, com uma promessa de unicidade e de transparência, os NFT (non-funglible token) continuam apetecíveis num mercado sempre à procura de novos caminhos. Uma aposta que grande parte dos economistas tem observado com cautela (como não desconfiar de negócios sem lucro definido à vista?) e curiosidade. E especialistas em tecnologia também. Como Nuno Nunes, docente no Técnico Lisboa, que fala ao dnoticias sobre a moda dos ficheiros digitais.

O madeirense deixa vários alertas sobre a ‘febre’, não sem antes destacar um ponto prévio, tal como o dnoticias já tinha explicado: “NFT são identificadores digitais guardados de forma distribuída (na blockchain) que certificam que um item digital é autêntico. Embora utilizem a mesma tecnologia das criptmoedas, são utilizados para o que em termos económicos se designam por bens não fungíveis”. Ou seja, acrescenta, “são como obras de arte ou objectos raros, que são únicos e não se podem trocar, por oposição às notas e moedas, que se podem trocar sem perderem valor”.

Recordada a definição, e depois de questionado se considera os NFT um bom investimento, Nuno Nunes é pragmático: “Esta pergunta não pode ser feita em abstracto. O valor depende de existirem pessoas interessadas em pagar alguma coisa pela autenticidade de um ficheiro digital”. E é também por isto que admite uma “grande especulação em torno dos NFTs”, reconhecendo que este é o processo natural numa fase inicial e “em particular quando coincide com um pedido de valorização das criptomoedas”.

O também presidente do Interactive Technologies Institutes (ITI) LARsyS não quer fazer aconselhamento financeiro e acredita que o sucesso do negócio dependerá “essencialmente da qualidade dos itens digitais que os NFTs autenticam”.

É que para Nuno Nunes, “o facto de ser fácil criar cópias precisamente iguais destes itens digitais, não significa que não exista quem lhes atribua valor em particular, num futuro em que este tipo de tecnologia se vai generalizar”. E isto, defende mais à frente, parece “óbvio que vai acontecer”.

E se por um lado os NFTs não deverão, de acordo com o especialista em ambientes digitais, ser uma aposta, uma vez que acredita que existe uma “especulação exagerada”, por outro não descura que alguns itens terão valor no futuro, até porque “existem obras de arte (de música, cinema, fotografia, jogos de vídeo, animação ou arte digital) que não foram criadas originalmente em formato físico”.

Produzir um concerto no mundo digital é mesmo uma das apostas dos Faux Real, banda que actua no Festival Aleste, na Madeira, já no próximo Sábado. Os irmãos Virgile e Elliott foram um dos nomes em maior destaque da cena independente europeia em 2020 e fazem a sua estreia em Portugal, no restaurante pop up. E também propõem uma 'Non-fungible Touring'. Quem comprar o NFT ficará será detentor de "um concerto único" da banda, em data acordada entre artistas e comprador. Um espectáculo que será o primeiro ao vivo a ser agendado na blockchain através do uso de Tokens Não Fungíveis.

A partir do momento em que alguma ‘obra’ é produzida apenas em formato digital, como propõem os irmãos Virgile e Elliott, não existe outra forma de lhe conferir autenticidade a não ser através de uma tecnologia do tipo NFT. Explica Nuno Nunes: “Este mercado, aliás, já existe, por exemplo, nos jogos de computador onde as pessoas já compram itens digitais e os coleccionam. Portanto, não é nada de novo nem no mundo físico, nem no mundo digital”.

Realidade aumentada – um caminho para o sucesso

Muitos são aqueles que acreditam que os NFT terão lugar no futuro, sobretudo porque a tecnologia da realidade aumentada está cada vez mais aprimorada e neste campo os NFT têm espaço para crescer mais. E o projecto Mars House pode ser um indicador desse crescimento. A casa de Marte, traduzido para português, é uma casa digital – leu bem, é uma casa digital, tem móveis virtuais e a paisagem é mesmo semelhante ao planeta Marte – desenhada pela artista Krista Kim. Foi, a primeira casa a ser comercializada em todo o mundo e vendida através de NFT, por 288 Ethers, uma moeda digital, o correspondente a cerca de 512 dólares.

E para que serve uma casa digital se não é possível viver nela, pergunta o leitor. Para já, o comprador só poderá desfrutar do produto no computador, mas a intenção é poder vir a usufruir dela, um dia, através de realidade aumentada. Nessa altura, poderá convidar amigos, fazer festas ou até reuniões de trabalho, impressionando potenciais clientes.

Nuno Nunes não tem muitas dúvidas quando lhe perguntamos sobre a aplicação dos NFT a esse campo: “Sim, na realidade virtual aumentada, ou no que chamamos de realidades mistas. É um campo, aliás, que já teve tentativas com alguma projecção mediática, que acabou por não resultar talvez porque a tecnologia ainda não estava madura ou o público pouco receptivo. Para quem se lembra do ‘Second Life’ da IBM em que se vendiam bens virtuais”. Ou seja, insiste o docente do Técnico não é “nada de particularmente novo, apenas uma nova utilização e uma maior apetência do público”.

Conceitualmente, a MARS HOUSE é um arquivo NFT 2.0, ou seja, ela representa a ideologia de um futuro estilo de vida baseado em Realidade Aumentada. Esse é o caminho que ela sugere, que um dia, em um futuro próximo, estaremos sentados em uma casa como a Mars House tomando champanhe com os hologramas de nossos amigos. Nossas reuniões no zoom serão realizadas em espaços como a Mars House. Eventualmente, seremos capazes de projetar nossas casas digitais sobre o espaço físico onde estamos, transformando-o de acordo com as nossas necessidades. Eu criei a Mars House porque era assim que eu imaginava a casa dos meus sonhos. Espero que o novo proprietário goste tanto dela quanto eu. Este é o futuro da ARTE     Krista Kim, criadora Mars House 

O certo é que para Nuno Nunes, que é engenheiro informático, professor e investigador na área e sobretudo consequências humanas da tecnologia, o fenómeno dos NFT só podia ser interessante. Até porque, diz, poderá criar um importante mercado para as indústrias criativas, permitindo que os criados sejam realmente compensados pela utilização das suas criações digitais. Mas quando questionado sobre em que lado se posiciona – do dos cépticos ou dos entusiastas, responde o madeirense: “Não me revejo, nem aconselho ninguém, a entrar em euforias especulativas. Os casos exageradamente empolados de pessoas que ficam ricas com este tipo de modas especulativas são, na sua maioria, notícias falsas para atrair pessoas para esquemas pouco recomendáveis”. Apesar deste perigo, Nuno Nunes é peremptório: “Dito isto, já existem alguns exemplos bastante interessantes e certamente o futuro estará nestas tecnologias”. Um futuro que parece inevitável para o especialista, mas “não necessariamente uma forma de alguém enriquecer”.