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Integrar a diferença

O Noah com dois anos e meio sobreviveu porque alguém o ensinou a pensar

O Noah, e a sua história que terminou em aventura, é mais um exemplo do que se pode chamar negligência passiva. Uma família cujos hábitos e rotinas pedagógicas não correspondem à norma instituída da promoção da saúde, da segurança, e do bem-estar das crianças.

Sendo que o processo ainda está em investigação, alguns dos dados que têm sido apresentados revelam que o Noah vivia com os pais num ambiente rural seguro, ao que parece uma criança habituada a movimentar-se na aldeia sem medos nem restrições. Aparentemente uma criança muito saudável e feliz.

Os hábitos da aldeia também fazem parte de uma cultura rural que não precisa de fechar portas e janelas. Vivem sem medo. Parece-nos estranho porque é incomum, mas real em alguns contextos.

É certo que o Noah teve sorte e os pais vão ter que repensar algumas rotinas e hábitos, de forma a prevenir situações de alto risco na vida das suas crianças. Contudo eu não chamaria negligência a este comportamento, talvez excesso de confiança nas competências da criança e um sentimento de liberdade e equilíbrio com a natureza com abertura para incidentes.

Casos como o Noah existem em contextos onde diferentes culturas partilham espaços, rotinas e formas de viver.

Os direitos de proteção das crianças e jovens, são uma prioridade e obrigação do estado português que pressupõe, para cada caso, a avaliação dos diferentes contextos e situações. Contudo, a opinião/pressão social e comunitária influenciam algumas decisões e nem sempre facilitam uma avaliação mais profunda e uma intervenção mais ajustada.

No contexto clínico observa-se, em alguns casos, um saltitar das crianças de lugar para lugar, num jogo do empurra não favorável ao crescimento e evolução do seu desenvolvimento.

O objetivo da proteção é tornar as crianças mais seguras e mais felizes. Quando permanecer em família não é de todo solução, a integração institucional tem que ser bem avaliada e ponderada, de forma a ser respeitado o contexto e a cultura de origem. Integrar crianças ou jovens em espaços cuja organização é totalmente desajustada dos seus padrões culturais e afetivos, apesar de toda a boa vontade é a antítese do objetivo.

É por isso fundamental repensar o modelo de resposta. Tem de haver mais investimento no trabalho com as famílias e uma maior colaboração entre os diferentes contextos educativos. A família e a escola precisam de ser mais inclusivas, sentirem -se pertença no processo de crescimento das suas crianças. A institucionalização tem de ser vista como o fim de linha das soluções possíveis e não pode, nem deve, surgir na cabeça dos adultos educadores, como a solução mais rápida. Para uns a busca do milagre, para outros apenas uma cruz no problema.

Numa comunidade cada vez mais aberta a interculturas, inquietamo-nos com o racismo, com a xenofobia, com o desrespeito, por uns e por outros, contudo insistimos, a falar a linguagem mais fácil - a nossa.

Proteger é também respeitar a cultura e a história das famílias. Integrar a diferença. A mudança faz-se nas pequenas coisas e os nossos pequenos valem todo o nosso esforço, empenho e coragem de exigir mais e melhor. Não permitir relaxar no instituído é o nosso dever. Cada um pode fazer a sua parte e mais do que acreditar é precisar reaprender a pensar.

Para além de todas as circunstâncias o Noah com dois anos e meio sobreviveu porque alguém o ensinou a pensar.