Crónicas

A “ciclocoisa” e o Metro do Funchal

1.Disco: dos The Lounge Society, fica a recomendação do EP “Silk For The Starving”. O som da banda, revestido de grande modernidade, não se perde em devaneios. Quando os sucessivos “lockdowns” nos puseram a pensar na dimensão do que somos, os Lounge não necessitaram de ir por aí, porque a sua origem rural determina uma boa dose de isolamento. O seu som post punk encerra muitas influências: Libertines, The Strokes, um cheirinho a Television. Uma muito boa revelação.

2. Livro: “HHhH”, de Laurent Binet. Duas histórias numa. A factual e a romanceada sobre o assassinato de Reinhard Heydrich, em Praga, em 1942. Um livro que não se fica só pelo registo que a história deixou. Vai muito além disso. Enquadra na perfeição o período histórico, tendo o autor o cuidado de, amiúde, descrever o modo como fez a investigação. Um dos bons livros que li este ano.

3. Na 4.ª feira da semana passada, perto das 9 horas, o estado do trânsito na Estrada Monumental, devido às obras que vão resultar numa ciclovia que vai roubar uma faixa de rodagem, era caótico. Tem sido assim há algum tempo e não se perspectiva qualquer melhoria.

Este projecto da Câmara Municipal do Funchal é um desastre. Não há estudo que consiga indicar, por exemplo, que são tantos os que utilizam a ciclovia andando de bicicleta, no trajecto já existente, que esta precise ser aumentada. Basta frequentar a zona para saber do pouco uso que lhe é dado, no que diz respeito ao fim a que se destina.

Para nem dizer, mas dizendo, que o afunilamento do tráfego, ao ocasionar congestionamento, vai criar mais poluição provocada pelo pára/arranca. Constrói-se um equipamento que supostamente devia diminuir a carga poluente e o resultado é que esta irá aumentar. Ora cá estamos de novo na presença de um “efeito cobra”, porque uma tentativa de solução o que vai fazer é criar um problema.

Estas coisas, experimentam-se. Testam-se. Delimitam-se com uns pinos e pintando o asfalto, para assinalar o seu fim. É assim que o fazem, nos sítios que pretendem imitar. Se não funcionar, rapidamente se repõem as coisas como estavam. Mas aqui não, nós somos de outra fibra. Aqui fazem-se passeios e floreiras e muretes, porque a inutilidade veio para ficar. Custe o que custar, doa a quem doer.

Esta é uma obra do centrão. Do centrão que constrói sem planificação e sem estudos que façam sentido. Do centrão que acredita que somos o umbigo do mundo. Que somos uma espécie de Copenhaga ou Amsterdão do Atlântico, mas com uma orografia levada do Diabo.

Copiam tudo o que veem noutros sítios. A cópia pela cópia. Não querem saber de estudos de viabilidade, de utilidade, de seja lá o que for. Uns destes dias, estas brilhantes cabeças, ainda se vão lembrar de fazer um metro no Funchal. Com dezenas de estações, cheias de escadas rolantes para cima e para baixo. No mínimo vão fazer como na anedota do:

- “Metrô”?

- “Não, 25cm”.

A ideia peregrina começou no consulado de Miguel Albuquerque e está a ser continuada pela actual gestão camarária de Miguel Silva Gouveia, que se prepara para ser candidato liderando uma coligação onde pontificam o PS, o BE, o PAN, o MPT, o PDR e o Nós Cidadãos, que ficam todos agarrados a isto.

Em plena zona turística, uma estrada que de Monumental vai passar a ser um impasse, em horas de ponta. Uma estrada que serve as zonas habitacionais da Ajuda, dos Piornais, do Centro Mar, do Fórum Madeira, dos Barreiros, da Praia Formosa, da beira-mar até aos Socorridos, zonas frequentadas e habitadas por milhares de funchalenses, afunila numa megalomania sem sentido. Uma zona da cidade servida por inúmeros transportes públicos urbanos e interurbanos. Uma parte da cidade onde ficam as maiores unidades hoteleiras.

Acrescente-se ao cenário a esperada retoma do turismo de que precisamos como de pão para a boca: os autocarros e carrinhas de turismo; os carros alugados nas rent-a-car; a imagem de uma zona que se quer fluida, com constrangimentos provocados pelo trânsito acumulado.

A gestão dos assuntos urbanos tem como principal objectivo a resolução dos problemas que afectam a comunidade. Gerir para criar problemas é, obviamente, gestão incompetente.

Um dia gostava, mas gostava mesmo, que quando se fizessem comparações, se comparasse a Madeira com… a Madeira, o Funchal com… o Funchal, Santa Cruz com… Santa Cruz.

4. Vivemos numa terra em que num instante, os de sempre, fazem “tábua rasa” do que no passado defenderam e apresentaram com pompa e circunstância. Por pura politiquice partidária, veio o PSD levantar questões sobre a ciclovia. O PSD que é o pai do projecto, que já vem da altura em que Miguel Albuquerque, como referido acima, era presidente da câmara e Pedro Calado vice-presidente. Rubina Leal, cabeça da lista que elegeu a senhora vereadora que veio a público reclamar apresentou, nas últimas eleições autárquicas, um projecto que previa uma ciclovia da Praia Formosa ao Forte de São Tiago. Mais 5 quilómetros de ciclovia. Está no site do PSD Madeira.

Ou seja, os socialistas rosa limitaram-se a continuar o projecto dos socialistas laranja. E agora vêm pregar moral?

Têm tanta culpa, uns como os outros. E quem é prejudicado, quem vai ser prejudicado, são os milhares de funchalenses que precisam usar a estrada Monumental.

Temos sempre o que aprender com os outros, mas não podemos esquecer que somos uma entidade única e irrepetível.

Pelo amor que todos devemos ter à nossa capital, por favor devolvam a mobilidade a toda aquela zona que se quer Monumental.

5. Ou sou eu que sou um verdadeiro idiota (sim, eu sei que sim) porque não consigo perceber o que fazia o presidente do IDE, em reuniões de um candidato à Câmara do Funchal, com empresários do concelho, ou Calado e Cia estão muito à frente.

Eu percebo, e aplaudo, que os partidos devem estar constantemente em contacto com as forças vivas da sociedade. Eu entendo, principalmente nesta altura de crise profunda, a necessidade de um candidato reunir com os empresários para os ouvir: as suas necessidades, as suas ansiedades, as suas expectativas.

Aceito todas as reuniões que o vice-presidente queira fazer, com quem quiser, com a presença dos quadros do Governo que achar por bem lá ter. Mas como executivo, nunca como candidato.

Quem faz destas coisas, como diz o povo, “não se enxerga”. Usam as instituições da democracia como se de uma coutada privada se tratasse. O PSD Madeira pensa que é o Estado, e criou em 40 e tal anos um Estado que pensa que é o PSD Madeira. E fazem isto tudo sem um pingo de vergonha, sem qualquer respeito pelo estado de direito. Fazem do abuso de poder uma prática e um modo de estar na política.

Este socialismo laranja cheira a sovietismo que tresanda.

Não aceito que um candidato misture um cargo de responsabilidade governativa com campanha eleitoral. É baixo e definidor da apoucada ideia que se tem da democracia.

Quero deixar aqui a minha intenção de, como candidato à Câmara de Santa Cruz, fazer reuniões com os empresários do concelho para os ouvir. O Presidente do IDE irá comigo. E se não puder por motivo de força maior, levarei o vice-presidente. Têm ambos a obrigação moral de estar presentes. Se uns podem, podemos todos.

6. “É perigoso estar certo quando o governo está errado” - Voltaire