Relação com povos indígenas no Canadá afectada após descoberta de 215 corpos de crianças
Um dirigente luso-canadiano considerou que a descoberta dos restos mortais de 215 crianças junto a uma residencial indígena no oeste do Canadá veio afetar ainda mais a relação com os povos das Primeiras Nações.
"Foi uma descoberta muito difícil de digerir, afeta muito as nossas relações com as Primeiras Nações, os nossos programas e a nossa relação com os povos indígenas. Demos uns passos atrás, no entanto temos de lidar com isto da melhor maneira", afirmou Paulo Pereira, fundador do Projeto Primeiras Nações.
A organização pretende combater as desigualdades sofridas entre os centros urbanos e as áreas rurais remotas do Canadá, onde residem povos indígenas.
Os restos mortais de 215 crianças, algumas com apenas 3 anos de idade, vítimas de abusos, foram encontrados enterrados, no final de maio, no local daquela que já foi a maior escola católica residencial indígena na província canadiana da Colúmbia Britânica.
Os restos mortais das crianças foram detetados com a ajuda de um radar de penetração no solo e é possível que venham a ser detetados mais corpos, porque algumas zonas da escola ainda não foram analisadas, segundo as autoridades canadianas.
Desde 2016 que o Projeto Primeiras Nações está a desenvolver programas culturais e desportivos na Primeira Nação de Attawapiskat, no norte do Ontário, após aquela comunidade ter declarado o estado de emergência, com 11 dos seus elementos a tentarem o suicídio numa semana.
No Canadá há 30 anos, o assistente social, natural de Barcelos, distrito de Braga, explicou que esta "situação vai gerar um clima de maior desconfiança" com as pessoas não indígenas que "tentam desenvolver trabalho social" junto das Primeiras Nações.
"Para eles, principalmente para os idosos (indígenas), que estiveram em escolas residenciais, é como que reviver o passado, são momentos muito traumatizantes", lamentou o luso-canadiano.
Paulo Pereira sublinhou a necessidade de reconhecer "o que se fez de errado, que houve comportamentos e ações no passado que danificaram e prejudicaram os Povos Indígenas, a cultura, a língua, o seu próprio desenvolvimento".
"Vamos tentar continuar o nosso trabalho, com respeito, reconhecendo e falando, não temos culpa diretamente do que aconteceu, queremos fazer parte da solução, criando esta amizade", referiu.
Um relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação, datado de há mais de cinco anos, já tinha revelado os maus-tratos infligidos às crianças indígenas nessas instituições.
Esse relatório dizia que pelo menos 3.200 crianças morreram devido a abusos e a negligência, e menciona que havia relatos de pelo menos 51 mortes apenas na escola de Kamloops, entre 1915 e 1963, um número que agora se percebe ficar aquém da realidade.
"O processo de reconciliação é muito mais do que um movimento político, vai além das palavras. O Governo deve tomar mais ações para proporcionar mais condições de vida, como o acesso a água potável, seria um grande passo para demonstrar uma mudança do rumo", frisou.
Após o regresso à normalidade, num período pós-pandemia, o Projeto Primeiras Nações, que atualmente está a implementar os seus programas de uma forma virtual, pretende voltar a Attawapiskat (Ontário), expandir-se para Moosonee (Ontário), e para o God`s Lake Narrows (Manitoba).