Crónicas

Junho

Quando pensei melhor estava a fazer as provas de aferição e a escolher os cursos naquela casa velha da Rua dos Ilhéus, onde se via o mar do jardim

Junho tem muitas histórias dentro, calhou ser assim comigo. E guardo boas memórias. Lembro-me de ter 11 anos e de estar a dançar ao som dos singles que rodavam no gira-discos portátil que alguém trouxera para a festa da 100ª lição de Português. Sei que me empanturrei de Brisa e bolos e que, quando corri para o autocarro, corri feliz.

A festa foi antes de me chegar a vergonha e de ter a exacta noção de quem era naquela hierarquia rígida da adolescência. Eu ainda não sabia que era desengonçada, grande e esquisita. Isso aconteceu depois, entre os 12 e os 15 anos, já a escola era outra e, em Junho, roíamos as unhas por causa dos últimos pontos.

Eu sofria por Física e por Inglês, custava-me a dobrar a língua para falar, baralhava-me na gramática. Já em Física o problema era conseguir pensar em forças ocultas que, por magia, se transformavam em equações. Aqueles dias cinzentos e sonolentos davam-me esperança, mais umas semanas e nunca mais teria de pensar no equilíbrio que mantinha o mundo no encaixe, fixo e em ordem.

O Junho era outro quando recebi o sim para passar o resto do Verão entre o Laranjal e o Lido. Tinha 16 anos, um corte de cabelo novo e uma imensa vontade de fugir para longe das saias da mãe e do abraço das tias. Foi entre uma descida de cabeça no tobogan e uma waffle a queimar o céu da boca que decidi que me havia de candidatar à universidade.

Foi coisa de desafio, uma rebeldia. Quando pensei melhor estava a fazer as provas de aferição e a escolher os cursos naquela casa velha da Rua dos Ilhéus, onde se via o mar do jardim. Por essa altura já usava óculos, uns com umas armações douradas que me davam um ar de professora ou secretária. Eu metia-os na mala sempre que podia.

E, no último jantar de turma naquele primeiro ano em Lisboa, num Junho de muito sol e calor, pintei os lábios de vermelho e esqueci que era caixa-de-óculos quando enchemos a discoteca e eu dancei como antes, sem vergonha e animada pelo vinho que acompanhou a carne de porco que serviram na Casa do Alentejo. Ainda faltavam umas semanas de exames, mas lembro-me de ter apanhado o táxi para casa feliz.

A gordinha que correra para o autocarro com a cara afogueada estava ali no táxi a acertar o passo com a vida num lugar a muitos quilómetros de casa. E era Junho, a Primavera estava no fim e eu tinha a sensação de ter feito amigos. Não um ou dois, mas vários a quem não tinha feito diferença ser desengonçada ou esquisita.