Transparência e opacidade “democráticas”
Para o Presidente da CM Lisboa, bem como para os “Adões” do panorama político, o primeiro não praticou qualquer acto de espionagem
Há quem defenda que quer em Portugal, quer um pouco por toda a Europa, a Democracia está em crise e em risco. Eu, pela minha parte, “não acredito em bruxas, mas que as há, há!!”
Ora aqui vão duas:
1. “Vazadouro” Municipal de Lisboa
O Município de Lisboa, na qualidade de entidade competente para receber e processar os “avisos” da realização de manifestações locais e os dados dos respectivos organizadores, entendeu por bem adoptar a prática – aparentemente, reiterada – de transmitir estas informações às autoridades dos países visados pelos manifestantes.
Para o Presidente da CM Lisboa, bem como para os “Adões” do panorama político, o primeiro não praticou qualquer acto de espionagem – mal seria que tal estivesse, sequer, em equação –, tudo se tratando de um mero erro procedimental/administrativo, ditado por uma lei – maldito Legislador! – muito antiga, e que, como tal, não é merecedor de censura/responsabilização política.
Dito isto, que fique bem claro: Não existe qualquer disposição legal, seja em leis do PREC, seja em leis recentes, que imponha ou legitime a actuação da CM de Lisboa, ou que careça de revisão, excepto se for – o que talvez seja avisado – para retirar competências à mesma e ao seu “exército” de funcionários.
Pelo contrário, a conduta em causa é severamente punida por lei, podendo configurar, pelo menos, a prática dos crimes de utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, desvio de dados e violação do dever de sigilo, previstos na Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto. Ou seja, um diploma quase contemporâneo do início das distendidas comemorações dos 50 anos de Abril.
Assim sendo, admitir que este “episódio” pode ser resolvido com um pedido de desculpas, uma conveniente alteração da lei e/ou uma mera auditoria interna, é, mais do que ofender a inteligência dos cidadãos, ferir de morte o Estado de Direito Democrático…
Na verdade, numa Democracia – medianamente – evoluída, o responsável máximo já se teria demitido voluntariamente e o Ministério Público já teria instaurado o competente/imperativo procedimento criminal.
2. “Serviços Secretos” da Comissão Europeia:
No dia 4 de Dezembro de 2020, a Comissão Europeia decidiu que, mesmo que tenham aplicado escrupulosamente as normas nacionais relativas ao regime fiscal da Zona Franca da Madeira, algumas empresas licenciadas para operar na mesma obtiveram auxílios/benefícios indevidos e incompatíveis com as normas que aquela considera – pois os Tribunais, daqui a muitos anos, definitivamente o dirão – serem as aplicáveis.
Sucede que, na presente data, o texto/conteúdo de tal decisão ainda não é público, nem conhecido dos visados/lesados pela mesma (excepto o Estado Português e a RAM), que assim não a podem apreciar, nem contestar, na sede própria, um acto administrativo que “obriga” a devolver quantias, potencialmente, avultadas.
E qual é a “desculpa” para este inusitado – e ilegal – atraso da Comissão Europeia? Ainda não foi concluído – eventualmente, por falta de pessoal habilitado, ou de produtos adequados – o processo de “limpeza das informações confidenciais” constantes da Decisão!! Ou seja, para a Comissão Europeia, o direito – “sagrado” – de acesso à Justiça e aos Tribunais pode ser postergado e limitado com fundamento na falta de detergente…
É caso para dizer que, se esta Decisão fosse da autoria da CM de Lisboa, o respectivo conteúdo (confidencial, ou não) teria sido difundido e partilhado publicamente antes de a mesma ser proferida.
Comparações e contradições à parte, quando a maior Autarquia de Portugal e o órgão executivo máximo da União Europeia violam, de forma tão ostensiva, os direitos fundamentais dos cidadãos, não há dúvidas que o Estado de Direito Democrático em que (alegadamente) vivemos está a ser muito mal tratado!!