“O palácio está bem cuidado, mas os celeiros estão vazios”
A velha e instruída filosofia oriental orienta a contemporaneidade marcada pelas profundas mazelas e desigualdades sociais, sobretudo quando desejamos estabelecer a destrinça entre quem governa e gasta; e quem trabalha e paga para suportar as mordomias do “palácio de governação”
A frase de Lao Tse, século VI A.C., inserida no Livro da Via e da Virtude (Estampa, 6.ª ed., 2000) demonstra, com perfeição, a realidade social e política dos tempos actuais: “o palácio está bem cuidado, mas os campos estão cheios de joio e os celeiros estão vazios”.
O Palácio Autonómico
A vida palaciana, quando a corte carece de uma preparação holística e humanística, pode transformar a burguesia arruinada numa aristocracia refinada mas, infelizmente, só de aparência. A visão dos novos “aristocratas da governança regional” mostra um cuidado primoroso pelas aparências e pela manutenção dos espaços e dos jardins do palácio; pela reabilitação dos quartos para albergar as centenas de nomeados políticos e pela extensão de mesas e cadeiras para dar de comer a muitas bocas famintas, oriundas de duas famílias partidárias. O banquete no IASAÚDE, no SESARAM e no IHM são exemplos actuais.
O gasto, por exemplo, de 10 mil euros num mastro de madeira para o palaciano da Quinta Vigia constitui uma prova real e concreta do despesismo do dinheiro dos madeirenses.
A vida cortesã, do novo-riquismo coligativo de interesses, entre banquetes e comensais exuberantes regado pelo êxtase passageiro da cabeceira do trono, fez perder a noção concreta da realidade. As necessidades da população, a vida real e as dificuldades da “classe plebeia” não constituem prioridade desta aristocracia pós autonómica. Os negócios são de outro calibre.
A corte vê o mundo de acordo com a sua experiência cortesã. A aristocracia deixou de ver e de sentir o seu povo, e passou a servir os seus interesses senhoriais.
A forma lisonjeira como atuais responsáveis executivos e antigos governantes abordam os problemas sociais da pobreza, da fome, do desemprego e da saúde mostra esse alheamento entre a ficção palaciana e a realidade sentida pela generalidade do povo. A aristocracia não sabe o que é passar dificuldades!
Recordo, a este propósito, uma frase do ex-presidente do Uruguai José Mujica (1935): “os que comem bem pensam que se gasta demasiado em política social”.
Genericamente falando, e naturalmente com níveis de investimento também acertados, a tradição do regime autonómico foi a de gastar sempre mais daquilo que recebe. Depois para pagar a dívida, carregam impostos sobre o Povo e sobre as empresas.
Esvaziaram tudo o que tinham e o que não tinham, porque o dinheiro não era deles. A Autonomia, também, serviu de “Casa da Moeda”, para gastar à grande à francesa.
Mas quando se fala em cortar nas despesas, nas mordomias, nos custos de funcionamento: zero. Nem querem ouvir em cortar nas nomeações políticas, em reduzir o sector empresarial regional e de acabar com as Sociedades de Desenvolvimento (filhas legítimas de Alberto João Jardim).
A aristocracia da Autonomia patriarcal do pós-25 de Abril não só se governa com o dinheiro subtraído ao povo e à economia, como também serviu, também, para endinheirar e engordar meia dúzia de famílias empresariais.
“O joio semeado nos campos produtivos”
Alberto João Jardim (AJJ), que regressou nos últimos tempos empolgado pelo hino da “cosa nostra autárquica” tem apregoado, aos sete ventos, a necessidade imperiosa do aprofundamento autonómico. Esquece, porém, que foi, também, um dos coveiros, de pá e de enxada, da consolidação emergente da Autonomia. Não padecemos, ainda, de alzheimer histórico, nem tão pouco financiamos com o dinheiro do povo da Madeira, um jornal do regime (Jornal da Madeira), e que deixou uma dívida de 50 milhões para o povo e as para empresas pagarem.
A velha e a nova aristocracia da Madeira supõem que os olhos do povo só se abrem com a audição do hino do pepedê!
A governança palaciana deseja apagar a História. O tal Alzheimer histórico e selectivo. O Programa de Assistência Económica e Financeiro (PAEF), assinado pelos membros da corte palaciana em 2012 - e após terem escondido um rol de mil milhões de facturas nas catacumbas do poder senhorial -, trouxe, inevitavelmente, mais pobreza, mais desemprego e emigração forçada ao povo da Madeira. Uma autonomia falida, que acabou por ser resgatada com o suor do trabalho do povo e da sua economia.
Na altura, o palácio da governança estava cuidado e pintado de fresco! Mas para pagar a dívida a aristocracia agravou os impostos sobre o povo e sobre as empresas. Recorde-se: taxas de IRC e IRS iguais ao continente, agravamento da derrama regional; ISP agravado em 15% ou em alternativa a implementação de portagens; aumento de 15% das tarifas dos transportes públicos; implementação de taxas moderadoras na saúde; racionalização do transporte de doentes não urgentes e redução da despesa com envio de doentes para o continente. Foi esta, entre outras, a factura da gestão do PSD. Venderam a Autonomia à República, venderam 600 anos de resistência e de resiliência por 1500 milhões de empréstimo!
Para não falar de uma outra venda, da participação da ANAM (aeroporto) para a ANA, por 80 milhões, e cuja receita foi logo absorvida, por contrato, para o serviço da dívida do palácio. Pelo negócio ruinoso, e sem uma negociação séria para baixar as taxas aeroportuárias (as mais altas do país), a aristocracia reinante cá do burgo habituou-se a culpar um outro senhorio de além-mar. O PSD vendeu a porta de entrada da Ilha da Madeira, durante 50 anos, por 80 milhões.
“ A plebe está atenta e os celeiros estão vazios”
Como afirmou Fernando Pessoa, o povo não troça da Crítica da Razão Pura, isto é, o povo sabe ler e interpretar, e mesmo tendo uma baixa escolaridade, é perspicaz e esclarecido. O povo sabe que no palácio nada falta; e que o dinheiro abunda para servir todas as mordomias e negociatas.
O povo passa dificuldades acrescidas. O povo passa fome e espera 2, 3 e 4 anos por uma cirurgia ou por um exame na saúde. O povo vive em privação material e assiste impávido e sereno ao perdão de milhões de dívidas da segurança social aos senhorios amigos.
A aristocracia palaciana não sabe o que é a pobreza ou a aflição de escolher entre comprar medicamentos e dar de comer aos filhos; não sabe que 10 euros faz uma diferença abismal num orçamento familiar.