Análise

A vacina contra a desinformação

As manobras de intimidação e a retórica contra o jornalismo implicam acção

O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deste ano, celebrado timidamente na passada segunda-feira, serviu para a ONU enfatizar a “informação como bem público”, para o Papa apelar a que sirva como meio para “construir e fortalecer o bem comum” e para o secretário-geral da Repórteres sem Fronteiras (RSF), Christophe Deloire, sublinhar que “o jornalismo é a melhor vacina contra a desinformação”, apesar de estar total ou parcialmente limitado em 73% dos 180 países avaliados. Ou seja, se não há dúvidas sobre a importância do direito fundamental devidamente consagrado e entendido como pilar da democracia, há manifestos e por vezes perigosos bloqueios à nobre missão de informar.

Nem na Europa hoje em festa estamos a salvo dos constrangimentos que deixam o jornalismo sitiado, ora em “situação difícil” e “grave”, ou exposto a vários desejos que o tornam “sensível”. Pelo que se lê no relatório da RSF há controle excessivo, restrições no acesso a fontes de informação, à conta da crise sanitária ou tendo esta como pretexto e vários entraves à cobertura jornalística, sendo quase impossível investigar e divulgar temas delicados.

A RSF considera que a Europa continua a ser o continente mais favorável à liberdade de imprensa. Mas enquanto aumenta a violência contra jornalistas, os mecanismos de protecção das liberdades fundamentais instituídos pela União Europeia revelam-se lentos; enquanto são registadas violações ao direito à informação há países que tentam conter o impacto de notícias sobre temas sensíveis, como a crise pandémica; enquanto a falta de justiça para crimes cometidos contra a imprensa instala a impunidade há jornalistas a praticar a autocensura; enquanto se apregoa a necessidade de respeito pela liberdade dos meios de comunicação, surgem represálias a quem questiona as políticas governamentais;

enquanto a crise em curso lança “sérios desafios económicos e muitos jornalistas perdem os seus empregos” - o que levou a secretária-geral do Conselho da Europa, Marija Buric, a pedir aos governos europeus para mostrarem vontade política para proteger o jornalismo independente -, a comissão europeia reafirma o compromisso de defender os direitos dos meios de comunicação com um investimento de cerca de 20 milhões de euros em dezoito projectos que promovem os valores e as democracias da UE.

Nós também somos Europa, e dela precisamos mais do que fundos. Até porque na ultraperiferia a liberdade de imprensa é ameaçada de forma permanente, outrora por via da concorrência selvagem e completa desregulação do mercado, de quando em vez por delírios isolados e invejas de desiludidos, e agora também por causa de posturas abusivas, das narrativas especializadas em falsidade, o que exige cautela, sobretudo na utilização da tecnologia que apesar de ter transformado a forma como recebemos e partilhamos informações, também tem sido usada de forma leviana e imprudente para enganar a opinião pública, para alimentar ódios e gerar embustes. Até porque a retórica anti-média está em ascensão, mais assente no despudor verbal e na cobardia feita de perfis falsos nas redes e de comentários não assinados. Até porque o ‘bullying’ encapotado, por vezes perpetrado por profissionais infiltrados e de passagem para outras aventuras, precisa de correctivo.

Da Europa também precisamos de compromisso com a liberdade e pluralismo dos meios de comunicação social, que inclui o direito a receber informações sem interferência da autoridade pública; o direito a estar protegido da pirataria que atenta contra a propriedade intelectual; o direito a ser ressarcido pela usurpação de conteúdos pagos por parte dos que acham que basta citar para apropriar-se num ápice daquilo que deu trabalho e tem valor, mas que é difundido levianamente e à borla. Se não queremos acabar todos ‘a pão e água’ importa começar a agir e a depurar democraticamente os que têm como lema ganhar o pão com o suor do rosto dos outros.