O bom, o mau e o zombie
A auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco não surpreende, mas prova a ligeireza com que se continua a gerir o dinheiro de todos
Um deputado do Bloco de Esquerda foi acusado de violência doméstica. O acusado esclareceu que não era o agressor mas a verdadeira vítima. Infelizmente, há pouco de novidade na história. O inferno da violência doméstica não conhece classes, partidos, nem género. Até que o Bloco, lesto acusador em denúncias semelhantes, lembrou-se da presunção de inocência do deputado acusado. A mensagem é simples. Acreditem sempre nas vítimas, a não ser que o acusado seja um homem de esquerda em posição de poder. A violência doméstica virou mais uma guerra de trincheira. De um lado, os meus acusados, que são inocentes, do outro, os acusados dos outros, que são culpados.
O bom: Isabel Ayuso
A distância que nos separa de Madrid, afasta-nos da proximidade que as eleições para o governo da capital espanhola têm com a política nacional. Não é uma questão de geopolítica ibérica, apenas a constatação que a política tende a repetir-se. Isabel Ayuso, 42 anos, ganhou as eleições para o governo de Madrid e, ao mesmo tempo, arrasou com os socialistas espanhóis, afastou Pablo Iglesias da política e retirou espaço ao discurso radical do Vox. Desafia a lógica partidária, o percurso de quem, há 2 anos, era pouco mais do que uma desconhecida. Por isso, há duas histórias na vitória de Ayuso em Madrid. A primeira é ao cuidado da direita portuguesa. É certo que as direitas ibéricas são, e têm histórias, muito diferentes, mas a estratégia de Ayuso merece a sua atenção. A espanhola fez o que Rio e Chicão continuam incapazes de fazer. Apresentou aos eleitores um programa claro, coerente e alternativo à proposta socialista. Definiu as suas linhas à direita e foi a jogo. Parece simples, mas continua a escapar a CDS e PSD que não conseguem apresentar ao país, sem rodeios, um caminho alternativo à hegemonia do PS. A segunda história é a de uma mulher que fez estremecer a política espanhola. Não consta que tenha havido clamor pela igualdade de género, brado pela derrota do país patriarcal, nem sequer um simples batom vermelho. Nada. Não creio, no entanto, que a vitória de Ayuso represente a derrota da paridade coerciva, nem sequer a prova de que o mérito feminino dispensa quotas. Na verdade, até pode representar o sucesso dessa via para a igualdade. O que merece reflexão no triunfo de Ayuso é como, para a esquerda identitária e da linguagem inclusiva, nem todas as vitórias femininas são iguais.
O mau: O Estado e o Novo Banco
Hoje, soa a anedota, de péssimo gosto, a promessa de que a resolução do Banco Espírito Santo não custaria nada aos contribuintes. Entretanto, já perdemos a conta ao número de comissões de inquérito, de pedidos de auditoria e de contratos secretos do Novo Banco. Ao mesmo ritmo das promessas de que “para o Novo Banco nem mais um tostão”, crescem os financiamentos públicos ao banco batizado de bom, mas cuja única coisa positiva é a surpreendente capacidade dos seus antigos gestores e devedores nos brindarem com memoráveis momentos de comédia na Assembleia da República. Por isso, a auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco não surpreende, mas prova a ligeireza com que se continua a gerir o dinheiro de todos. Injeções de capital no banco sem cálculo prévio das necessidades. Falta de transparência quanto ao impacto da resolução do banco nas contas públicas. Grave conflito de interesses do auditor do banco. Falta de independência entre o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal. Os exemplos são demasiados. E no meio desta tempestade financeira, o Novo Banco decidiu atribuir quase 2 milhões de euros em prémios à sua administração. Marcelo pediu bom-senso. Centeno prometeu desconto. Ninguém impediu a imoralidade. Ao contrário de tudo o que diz respeito ao Novo Banco, a questão dos prémios não é, essencialmente, financeira. É de princípio e, por isso, bem mais grave. A impunidade da auto-atribuição de prémios por um banco falido e que sobrevive à custa de dinheiros públicos, para além de corrosiva para a democracia, oferece resposta à velha questão de Brecht. O que é roubar um banco comparado com a ideia de fundar um banco?
O zombie: Eduardo Cabrita
Cabrita é da casta de governantes socialistas que se consideram uma dádiva aos portugueses. De tal forma que, o obséquio da sua governação garante-lhes dispensa de qualquer responsabilidade política. São feitos de teflon flexível. Nada se lhes pode apontar e nada lhes pesa na consciência. Após a morte de um cidadão às mãos do Estado, Cabrita declarou-se o maior defensor dos direitos humanos. Perante a tragédia de Pedrógão, Cabrita descobriu na sua governação a razão para a recandidatura de Marcelo. A inimputabilidade do ministro é a única garantia da sua sobrevivência. Aliás, Cabrita faz pouco mais do que sobreviver, apenas prolonga a sua existência de morte em morte política. É um zombie da governação. Até que Odemira aconteceu. Na verdade, a exploração de imigrantes, que só agora se tornou mediática, já acontece há largos anos e até foi autorizada pelo Governo em 2019. O problema é que, para os governos, os problemas só são reais quando chegam à capa dos jornais. E, de repente, assistíamos em Odemira ao confronto impossível entre a propriedade privada e a desumanidade a que os trabalhadores das estufas estavam entregues. Se chegámos aqui, foi pela incompetência de ministros como Eduardo Cabrita e pela mensagem que nos deixam. Sempre que o Estado falhar, entrará triunfante na nossa propriedade e só depois decidirá quando e quanto pagará. Assim, é fácil governar.