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Arrumar a casa, para a sustentabilidade

A questão não é o não fazer mas, antes, o fazer bem feito, de forma responsável

A protecção climática, a conservação da biodiversidade e a segurança alimentar são os eixos vitais, à escala global, que determinarão a viabilidade do desenvolvimento humano neste planeta, cada vez mais pequeno e limitado. Mesmo considerando as assimetrias socioeconómicas e os diferentes níveis de desenvolvimento, sem que se garanta uma gestão adequada dos recursos e dos sistemas socioeconómicos capaz de responder, em simultâneo, e de modo integrado às alterações climáticas, à perda da biodiversidade e às necessidades de produção alimentar, falar de futuro, será sinónimo de exercício inútil.

Os diagnósticos e seguimentos estão feitos e vêm confirmando as tendências pouco animadoras a que se juntam evidências das limitações associadas aos esforços sectoriais. No caso das alterações climáticas, o eventual cumprimento integral do Acordo de Paris não seria suficiente para a necessária descarbonização económica, uma vez que o problema não se resume à indústria. A necessidade de mais terra e mar enquanto instrumentos de extracção e depósito de dióxido de carbono parece incompatível com as exigências dos sistemas de produção agroalimentar ou com a manutenção dos serviços dos ecossistemas dos espaços naturais. Este conflito, em jeito de paradoxo, separa abordagens e soluções que deveriam ser integradas e compatibilizadas, regional e globalmente. A Europa, em particular, tem adiado a integração entre políticas não tendo sido ainda capaz de reformar políticas sectoriais e os respectivos mecanismos operativos, como é bem evidente no que se refere à relação entre a Política Agrícola Comum ou as Pescas com a Biodiversidade e Conservação da Natureza. O Pacto Ecológico Europeu formula essa necessidade de integração mas não obriga nem indicia capacidade de determinar as mudanças necessárias. Arruma-se cada quarto como se não fossem parte da mesma casa. A Estratégia Europeia de Biodiversidade e a liderança na promoção do Acordo de Paris não são suficientes sem o acompanhamento de um modelo de governança que assuma a rotura de paradigma centrando a decisão numa lógica de sustentabilidade em detrimento do crescimento acelerado, leia-se, lucro imediato, sem olhar aos verdadeiros custos. Este modelo de aceleração e crescimento cujos custos ambientais e danos sociais são suportados por todos não é viável, nem sequer a curto prazo. Mesmo que Europa fosse capaz de se organizar e demonstrar a bondade das suas políticas de crescimento sustentável, isso não chegaria para resolver, sequer, as necessidades do próprio velho continente. Mas seria um passo importante, demonstrador da importância e eficácia de valores e instrumentos necessários para o que se pretende. Vivemos tempos que se caracterizam pela complexidade, velocidade de mudança e evidência da dependência e interligação entre tudo e todos. Mas as políticas e o modo de as fazer continuam a ser sectoriais, compartimentadas, incapazes de se resolver ou integrar as necessidades da situação real, complexa e diversa. No caso da agricultura, não se trata apenas de usar a terra, a água e outros recursos rumo à satisfação da produção que alimenta, sem contabilizar a escolha inadequada dos solos, das produções, a relação entre a produção e o balanço de dióxido de carbono, ou a alteração de espaços naturais fundamentais, o abandono sem restauro, de áreas utilizadas ou as alterações sociais associadas (veja-se Odemira). A questão não é o não fazer mas, antes, o fazer bem feito, de forma responsável, eficiente e compatível com os padrões de sustentabilidade económica, ambiental e social. O sucesso de uma produção massiva que só acontece, não porque haja terreno e água, mas porque se arrasta mais de 10 mil seres humanos para uma situação de degradação e condições indignas, sem contar com o que isso implica ao nível das próprias comunidades locais, sua história, modo de ser e viver, não é sucesso. É contabilidade básica, cega, social e ambientalmente inaceitável em qualquer lugar do mundo. Isto acontece porque falta arrumar a casa, num sentido de sustentabilidade de não de esperteza saloia.