Anormalidades que fartam
A crise pandémica tende a dar lugar à retoma económica se continuarmos a ser prudentes, a fazer testes e a vacinar em larga escala. Mas também atreve-se a introduzir factores inibidores da cidadania activa, do bom relacionamento social e da qualidade de vida, que não sendo inéditos, ganham outra expressão no actual contexto, comprometendo expectativas, investimentos e sucesso.
O novo normal tem nuances que ou são resolvidas com recurso aos métodos tradicionais ou vão dar cabo de nós mais depressa do que a covid-19. Infelizmente há muitas e para todos os gostos, algumas mais graves do que outras, mas quase todas inaceitáveis, por muito tolerantes que sejamos.
A actualidade faz-se da ingerência policial em guiões cinematográficos à denunciada “asfixia democrática” em várias estruturas partidárias ditas livres, das mentiras da vil política doméstica ao bullying crescente nas redes, da desinformação assistida a desculpas infundadas, mas também de balda institucionalizada e de uma inexplicável falta de recursos para dar resposta a solicitações feitas por potenciais empregadores. Vamos por partes.
1. Negligência oficial. Da Saúde ao Ambiente, assistimos perplexos a um encolher de ombros que merece reparo e deve obrigar quem decide a encontrar soluções funcionais e quem obedece a ser consequente. As listas de espera para consultas e cirurgias envergonham quem já teve o melhor sistema de cuidados das nossas debilidades físicas. É bom saber que o Governo está a negociar com privados a recuperação da “actividade adiada”, mas mais do que a união de esforços anunciada pelo SESARAM, o que o madeirense sem posses precisa é de cura para os seus males, em tempo útil, antes de perder o que lhe resta. É que por este andar há quem se arrisque a passar a vida inteira à espera de vez sem nunca ser chamado para nada.
Lamentável é também a incúria que favorece os sistemáticos focos de poluição nas águas balneares no Funchal. A malta que vai a banhos na Ponta Gorda, no Gorgulho, no Lido, no Clube do Turismo, no Vida Mar, no The Cliff ou no Reid’s devia juntar-se ao Clube Naval do Funchal na queixa-crime contra desconhecidos junto do Ministério Público. O que se passa nestas zonas constantemente conspurcadas, sem que ninguém assuma culpas ou responsabilidades, é um nojo para os locais e um atentado a quem nos visita julgando ter comprado experiências num destino de elevada qualidade.
Mais do que bandeiras azuis e de análises marteladas precisamos de águas límpidas, sem odores estranhos e livres de dejectos.
Mais do que comissões destinadas a estudar fenómenos estranhos e desculpas de circunstância, precisamos de intervenção atempada, vistoria permanente às redes de esgotos e zonas de despejos de detritos e de mão pesada para que os eventuais prevaricadores sejam punidos exemplarmente.
Mais do que hipóteses, precisamos que alguém trabalhe com rigor na detecção das causas e resolva a vergonhosa deterioração das zonas balneares. Mais do que um 10 de Junho sobre o oceano, o que queremos é o mar limpo como aquele que já foi nosso.
2. Falta de mão-de-obra. Pedro Calado e Paulo Cafôfo denunciaram na semana passada, à sua maneira, uma realidade que carece de intervenção urgente. Há empresários de diversos sectores de actividade que querem contratar recursos humanos para tarefas mais ou menos especializadas ou mesmo básicas e sentem enorme dificuldade em obter respostas, gente disponível e com formação adequada. E enquanto isso os números de inscritos no Instituto de Emprego sobem. Algo não bate certo. Investigue-se onde andam os desertores, o que leva a que muitas pessoas não estejam disponíveis para trabalhar, ou se há realidades paralelas e excesso de ajudas, dadas por várias instituições de diversas maneiras, nem todas para ocorrer a casos de maior necessidade, pois algumas também são usadas para ganhar votos.
Se PSD e PS detectaram o mesmo problema, elaborem um pacto de regime para que a Região seja pioneira nos salários justos, no combate ao assistencialismo eleitoral, na erradicação do desperdício de apoios e de todas as formas de dependências que geram comodismo. Invistam num novo modelo de desenvolvimento e acabem com os expedientes que instituíram a geração da mão estendida, se é que querem deixar marcas que promovam o colectivo a um patamar superior, onde ninguém seja privado daquilo que é elementar, mas não viva sistematicamente à custa da esmola.