Golpe militar deixa Myanmar desprotegida para nova vaga de contágios
O golpe militar e os protestos nos últimos meses deixaram Myanmar, antiga Birmânia, que conta com um sistema sanitário precário, ainda mais desprotegida face uma terceira vaga de covid-19 que está a chegar ao continente.
Fontes da Cruz Vermelha disseram à agência de notícias Efe que existe o perigo de que a terceira vaga da pandemia de covid-19, que está a afetar muitos países asiáticos, principalmente pela chamada variante indiana do coronavírus, chegue a Myanmar sem ser detetada.
Os profissionais de saúde foram os primeiros a aderir ao movimento de desobediência civil contra o golpe do passado dia 01 de fevereiro e muitos deles estão detidos e acusados pela junta militar, o que diminuiu a capacidade do sistema sanitário, já por si debilitado.
A Cruz Vermelha disse ainda que, atualmente, o país carece de um sistema sistemático de testes ao SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, a vacinação diminuiu significativamente e a capacidade de monitorizar e rastrear infeções está reduzida.
"Há um risco significativo de uma futura onda de casos que podem cegar sem serem detetados de imediato, dada a probabilidade de grande parte dos infetados não terem sintomas ou [a terem] serem leves", disse a agência humanitária.
Segundo dados do Ministério da Saúde de Myanmar, os casos acumulados desde o início da pandemia ultrapassam os 144.000, com 3.216 mortes, face a uma população de 54 milhões de pessoas.
O número de testes diários caiu em janeiro deste ano, dos cerca de 15.000 que se faziam para 1.500 a 2.000 nos dias de hoje, o que levanta a suspeita de haver muitas infeções que não estão a ser detetadas, de acordo com a Cruz Vermelha.
O Governo anterior, da líder deposta Aung San Suu Kyi, recebeu 1,5 milhão de doses de vacinas de combate à covid-19 da Índia e tinha planos de encomendar outras 30 milhões, mas desde então, o país recebeu cerca de 500.000 vacinas da China.
Até ao momento, apenas 1,77 milhões de habitantes, pouco mais de 3% da população, foram vacinados após o início da campanha de vacinação, em janeiro deste ano.
A Cruz Vermelha disse que a morosidade no processo de vacinação é também fruto da precariedade do sistema e da falta de pessoal, em parte devido ao movimento de desobediência civil, à qual se deve somar a relutância da população em se vacinar junto dos militares.
"Não tenho nenhum desejo de vacinar-me, se forem eles [os militares], que me vão aplicar. Não confio nada neles", disse um habitante, U Maung, ao portal Myanmar Now, citado pela Efe, expressando a sua recusa em ser vacinado pela junta militar.
O Exército para a Independência de Kachin disse à Al Jazeera que está a realizar testes e recebeu cerca de 15.000 vacinas da empresa farmacêutica chinesa Sinovac, doadas pela Cruz Vermelha da China.
Entretanto, algumas minorias étnicas, que controlam os seus próprios territórios em zonas fronteiriças, estão a tomar medidas para enfrentar a pandemia, apesar das dificuldades por um conflito armado que remonta a décadas, muito antes do recente golpe.
Em Myanmar, a antiga Birmânia, a Cruz Vermelha conta com cerca de 6.000 voluntários que continuam a ajudar as comunidades a combater a pandemia através de campanhas de vacinação, controle de temperatura e ajuda em isolamento de casos positivos, entre outras iniciativas.
Os voluntários, que contam com a ajuda de 143 ambulâncias, prestam atendimento médico aos feridos nos protestos, nos quais os profissionais de saúde também foram vítimas de ataques das forças de segurança com, pelo menos, 11 mortos e 51 feridos, entre eles.
Os manifestantes foram os mais atingidos pela violência de soldados e polícias, que mataram mais de 830 pessoas desde o golpe, segundo dados da Associação de Assistência a Presos Políticos, uma Organização Não Governamental (ONG) de ativistas pró-democráticos.