Pandemia aumentou número de sem-abrigo, mas faltam dados estatísticos
O início da pandemia da covid-19 provocou um aumento de pessoas em situação de sem-abrigo, nomeadamente entre migrantes, constatou a provedora de Justiça, que alerta para a falta de dados estatísticos que permitam acompanhar a evolução da situação.
A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, publicou ontem, na página da internet deste órgão de Estado, três estudos "sobre os tempos extraordinários" que se vivem atualmente na sequência da pandemia provocada pela covid-19, um sobre o tema da educação, outro sobre o Estado de direito e um terceiro sobre as pessoas sem-abrigo.
Relativamente a este último, a provedora de Justiça refere que o início da pandemia "terá aumentado ainda mais" o número de pessoas em situação de sem-abrigo, "o que se ficou a dever nomeadamente à perda súbita de empregos, na sua maioria já precários".
"O aumento da população sem-abrigo terá ainda ocorrido entre a população migrante e entre ex-reclusos beneficiários do regime de libertação excecional", aponta.
Maria Lúcia Amaral aponta algumas falhas em matéria de contabilização das pessoas sem-abrigo e refere que, apesar de terem sido criadas metodologias para a recolha de dados e caracterização da população, continua a existir "discrepâncias entre os dados conhecidos", além da "inexistência de dados que permitam acompanhar a evolução do fenómeno ao longo do ano".
Ainda assim, a provedora de Justiça disse que foi possível aferir que no final de 2019 "estavam referenciadas mais pessoas em situação de sem-abrigo do que relativamente a[o mesmo período de] 2018".
"A diferença de um milhar de pessoas sinalizadas no final de 2019 indicia um crescimento desta população que parece ser preponderante nas pessoas 'sem casa'", destaca.
Segundo os dados que a provedora de Justiça conseguiu recolher, a maioria das pessoas sem-abrigo vive nos grandes centros urbanos, designadamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, sendo regra a população "sem casa", apesar de haver alguns concelhos onde a maioria são pessoas "sem teto".
São sobretudo homens que vivem nesta condição, "sendo também recorrente a existência de problemas de saúde, incluindo de saúde mental e de dependências".
"Uma vez que não se conhecem dados desagregados deste fenómeno, não é possível uma análise mais fina da realidade, globalmente considerada", refere a provedora, que sublinha que estes estudos não pretendem "ter a exaustão e o rigor que é próprio de trabalhos que outros realizarão".
No entanto, Maria Lúcia Amaral receia que mais famílias possam vir a precisar de ajuda, nomeadamente para encontrar uma alternativa habitacional, assim que terminarem as medidas legislativas que suspenderam os despejos e os efeitos decorrentes da cessação dos contratos de arrendamento por denúncia do senhorio ou caducidade.
A provedora de Justiça defende, por isso, soluções de habitação "orientadas para o reforço de oportunidades em detrimento de integração em centros de acolhimento coletivo".
Em matéria de emprego e formação entende que devem ser promovidas soluções que vão ao encontro das necessidades da pessoa e promovam a sua autonomização.
Diz também que o acesso à saúde não pode ser descurado e que a "mudança no modelo de intervenção passa também por um maior investimento na prevenção, com indicadores claros e precisos de situações de risco".
"Seja para evitar que a pessoa se encontre pela primeira vez na situação de precariedade e exclusão associada à condição de sem-abrigo, seja para evitar que a ela regresse", sustenta Maria Lúcia Amaral.