As lutas da minha geração
Não sei se inspirada pela coragem ou por me ter tocado a injustiça, eu estava lá, na Praça de Espanha, nesse Novembro de há quase 30 anos.
Quando se começa a falar disto, da nossa geração, quer dizer que passaram muitos anos desde que fomos novos e, no meu caso, é verdade. Eu fui nova no início dos anos 90, num tempo em que não mereciam muita atenção as nossas preocupações. Ninguém nos ligou muito. Nem quando entrámos na faculdade, nem enquanto por lá andámos com o fantasma do génio das gerações anteriores a pairar sobre as nossas cabeças.
Eles, todos os que nos antecederam, é que eram. Uns tinham sido hippies e revolucionários; outros eram talentosos e yuppies. Aquela amálgama de que eu fazia parte não era lá muito fácil de classificar, nem muito empenhada em causas. O dinheiro que vinha da Europa como que silenciara tudo, era como se todos estivessem anestesiados pelo videogravador, que dava para alugar filmes no clube vídeo e preencher as noites com cassetes VHS.
E nem os excessos nos eram permitidos que, nesses anos, o mundo aprendia a viver com uma outra pandemia. A SIDA matava, matou milhões, mas não se contaram em directo, todos os dias e pela televisão. O preconceito, os tabus e a religião fizeram-nos viver o medo calados. A doença, aquela doença, não matava só alguns, matava todos. As estatísticas eram estas e, com estes dados e estes números, a ideia de estar infectado tirava-nos o sono.
Entre a poesia de Rimbaud, que morreu novo, e os cantores rock angustiados, nós tínhamos um quê de geração perdida, apanhada num nó da história que nem as nossas reivindicações como não pagar propinas tinham eco. Eu sei que, numa daquelas manifestações de protesto que a associação de estudantes organizava, também me sentei na Avenida da República ao lado de uns quantos. Parámos o trânsito, mas as propinas subiram na mesma como se tudo fosse irremediável e definitivo.
Lembro-me de que era esse o ambiente, de derrota antes mesmo de começar e que, por isso, não foi fácil arranjar quem fosse comigo a um protesto em frente à embaixada americana em Lisboa por causa de Timor Leste. Foi logo a seguir ao massacre de Santa Cruz, há quase 30 anos, quando a televisão deu as imagens do tiros, daquelas pessoas a fugir, dos feridos tombados e das mulheres a rezar em português. Muitos, talvez a maioria, teria a minha idade, os meus 20 anos.
Não sei se inspirada pela coragem ou por me ter tocado a injustiça, eu estava lá, naquele protesto ruidoso na Praça de Espanha, nesse Novembro de há quase 30 anos. Todos me disseram que não valia a pena, a Indonésia ia ganhar sempre e de pouco valia perder tempo numa sexta-feira a noite. E parecia que seria sempre assim, mas o bom de ter 20 anos, mesmo aqueles que a minha geração viveu entre o cinismo e o comodismo, é o de acreditar na ideia romântica e louca de que, sim, é possível mudar o Mundo. 11 anos depois Timor era um país livre.