Apátridas
São estes que se vêem como nómadas, os tais que muitas vezes têm que emigrar para sobreviver
O conceito de “pátria” é dotado de subtileza linguística. Apesar de ser uma palavra que pode ser usada para denominar o país de onde alguém é nativo, o certo é que esta última definição se tende a aplicar mais facilmente à palavra “nação”. Por sua vez, “pátria” surge do orgulho no passado, no presente e nas esperanças no futuro do país de onde se é natural. Por cá, cada vez mais se deixa de ser o patriótico português para se ser o nacional de Portugal. Por que razão ocorre isto? Principalmente, porque as gerações mais novas não têm nada a que se agarrar que as faça querer saber de Portugal enquanto símbolo agregador de indivíduos com a mesma cultura, seja em costumes, seja em língua falada, e também porque, simplesmente, se está a desistir de um Portugal enquanto país que outrora foi tão relevante no Mundo.
Ao longo da nossa história, provavelmente como em relação à maioria dos países europeus, o patriotismo tem vindo a decrescer e a definhar. Como pontos altos de orgulho exclusivamente português temos a escrita d’Os Lusíadas por Camões e o esoterismo de Pessoa mais expressamente manifestado através do movimento do Quinto Império cuja ideia se materializa em Mensagem. Na mesma perspetiva, temos ainda a ideia daqueles que foram os ilustres portugueses que também partilharam a glória desses tempos. Como pontos mais baixos de orgulho, temos o presente onde uma parte significativa dos jovens tem por plano (pelo menos secundário) a emigração de um país, onde menos de metade da população não confia ou não tem esperanças nas políticas que o regulam (lembrando-nos aqui das sempre crescentes taxas de abstenção nacionais) e onde só nos lembramos que somos portugueses durante os jogos da Seleção. Uma nação junta-se e torna-se pátria em torno de ideais e símbolos e, atualmente, estes são pouco visíveis e cada vez menos aglutinadores.
Por detrás deste sentimento de indiferença ao estado de Portugal por parte das gerações mais novas, parece estar uma razão bastante óbvia. A verdade é que desde há muito que não surge uma figura política que desempenhe um trabalho ou um valor de tal qualidade que qualquer um olhe e diga “aquele de facto é feito de substância diferente” e, deste modo, fortifique o sentido de se ser português e de “pertencer” a Portugal. Gerações anteriores tiveram como imagens políticas de valor Salgueiro Maia (ou outros capitães de Abril) e Ramalho Eanes, figuras de força que representavam um bem comum (neste caso, a democracia). Dos anos 80/90 até aos dias de hoje, surgiu alguma imagem política que tivesse a dimensão que os já referidos tiveram? Claramente que não. Além do mais, infelizmente, os momentos do 25 de abril e do 25 de novembro já se encontram tão distantes das gerações mais novas e já foram tão deturpados por cada um dos lados do espectro político português que quase nos esquecemos que ambos tiveram por objetivo servir todos portugueses, fossem eles de esquerda, fossem de direita, ao fazer triunfar a democracia sobre qualquer tipo de autoritarismo. Por outras palavras, não há figuras que nos unam e as efemérides importantes para a democracia portuguesa que existem, tornaram-se meras datas que, além de criarem ruturas a nível populacional por pendores políticos, também já pouco dizem aos mais novos e passaram a estar na moda, no sentido comercial (ao ponto de se usar a música “Grândola Vila Morena” para se fazer publicidade para séries da Netflix).
As coisas são como são. Este é uma questão pouco falada e o máximo debate que o tema do sentido de pátria suscita prende-se com partidos de esquerda a pintar Portugal como o país tirano colonial e com partidos de direita que teimam que Portugal não deve ser um país multicultural. Por outras palavras, ou não temos direito a ter orgulho no louvável da nossa história (não as colónias e a escravatura mas sim a descoberta do Mundo) ou, então, só alguns de nós temos direito a sermos “nós” e a pertencer a um todo.
Entretanto sobram os apátridas, os que não reconhecem Portugal como lar, mas sim como sítio onde nasceram. São estes que se vêem como nómadas, os tais que muitas vezes têm que emigrar para sobreviver porque o seu país não os valoriza e não lhes fornece qualquer tipo de razão para ficar, mas, mesmo assim, lhes pede que o amem em qualquer circunstância e que fiquem para o ajudarem a crescer.