Análise

Excessos comprometedores

A noite da vitória leonina foi também de derrota da classe política e da cidadania

O Sporting sagrou-se com mérito campeão nacional de futebol e houve quem tirasse a barriga de misérias de forma despreocupada, pouco solidária e atentatória da saúde pública.

Também por cá a festa leonina fica manchada por excessos que comprometeram as normas sanitárias em vigor. Aqui não houve violência, mas os ajuntamentos e a não utilização de máscara foram uma constante. Pior, houve desrespeito pelo recolher obrigatório, mesmo que a forma leviana como foi gerida a comprovada violação possa ser hilariante.

Tanto poder como oposição revelaram estar ao nível dos marginais da bola, fingindo desconhecer que no quadro da “calamidade” decretada e em vigor, por causa da pandemia, havia ordens expressas e públicas contra as excepções que, como foram ignoradas, convinha ao menos remediar impactos. Custava muito recomendar de imediato, como fez a DGS, medidas de controlo efectivo daqueles que festejaram em bando e sem máscara, obrigando-os a fazer testes e a ter redobrada atenção aos sintomas nos próximos dias? Tal só ocorreu três dias depois.

O Governo Regional teve tempo para se redimir da ridicularização a que foi sujeito na noite dos festejos, mas só se ouviram banalidades. Que na noite de terça-feira houve "alguns excessos" no Funchal durante os festejos dos adeptos do Sporting toda a gente viu. Que quando comparado com Lisboa aqui "foi o paraíso", era o que faltava se não fosse, dada a obrigação de recolher às 23h, que para muitos só ocorreu depois da meia-noite. Mas que depois da asneiradas toleradas tenhamos que “ser razoáveis” só pode ser auto-crítica.

Como a saúde pública foi posta em causa e a irresponsabilidade deve ter consequências, era expectável que alguém tivesse o bom senso de legitimar o que decide. Como não o fez, deve estar preparado para os efeitos do mau exemplo e da incapacidade de agir em nome do bem comum.

Por muita tolerância que haja - embora considere que a irracionalidade gerada pela paixão clubística nada justifica e muitos menos a desordem pública - o comportamento dos adeptos abre precedentes.

Custa ver que alguns tenham esquecido num ápice muitos dos que se sacrificaram, por vezes, dando a vida, no último ano de privações e de doença, de confinamentos e intervalo na normalidade. De certeza que não foi para isto que cumprimos humildemente ordens soberanas, perdendo empregos, matando a esperança e adiando sonhos.

A noite da vitória leonina, foi também de derrota da classe política que define regras, mas que pelos vistos não tem forma de fazer com que sejam respeitadas. Mas também da cidadania responsável que teima em não aprender com os erros sistemáticos, a não ser capaz de exercer civismo sempre que alguns atentam contra o património colectivo, pintam paredes ou enchem os sinais de trânsito de autocolantes, traficam influências e conspurcaram as emoções de uma maioria e a não exercer correcção fraterna sempre que as forças de segurança são agredidas e tratadas com desprezo.

Fica o reparo e a ressalva: Não confundimos esta preocupante marginalidade com os que mereceram ser campeões, os que deram oportunidade aos talentos da formação, os que festejaram de forma ordeira e sem infectar o futuro. Esses merecem festejar o tempo que for necessário para vingar o jejum desportivo, sem esquecer que há mais vida para além da bola.

E por assim ser, deixo outras duas notas, a que podem dar troco:

1. O secretário do Turismo e o PSD têm discursos distintos sobre a TAP. Enquanto Eduardo Jesus garante haver trabalho conjunto para captar novas rotas europeias directas para a Madeira, o partido reunido ontem Conselho Regional lamentou solenemente que a companhia tenha optado por não ajudar a Região. Em que é que ficamos?

2. Se a moda de usar outros países e regiões já foi polémica, recuperar o expediente só porque a aquacultura é um caso de sucesso na Noruega, e de barulho na Região, não é um golpe de asa. Há teses bem mais promissoras para fazer passar uma mensagem assertiva, até porque pode ser que alguém na oposição lembre o que dizia a maioria quando a comparação entre a Madeira e Açores era frequente.