Enfermeiro e Missionário a toda a prova
Neste Dia do Enfermeiro, em tempo da dedicação de tantos para socorrerem os doentes em tempo de pandemia, evoco um deles de perfil inesperado que juntou, na mesma pessoa, a enfermagem e a missão num país que há messes se tornou território disputado por pseudo muçulmanos, como já fora disputado, no seu tempo, por comunistas marxistas. Deixem que seja este enfermeiro a narrar uma página da sua vida, quando, em Moçambique, já tinha assistido leprosos em Alto Molocuè, e formado futuros Irmãos de S. João de Deus em Nampula, e agora coordenava a ergoterapia na machamba da Clínica de Psiquiatria, e nos tempos livres missionava e dava catequese a crianças e jovens.
Conta ele: «Pelas 22 horas de 11 de maio de 1979, estando ainda ao trabalho de delinear as atividades pastorais do fim-de-semana, ouço tocar a campainha da clausura. Descuidadamente, pois era frequente a chegada de hóspedes noturnos, venho à porta e encontro-me com dois agentes de autoridade, um dos quais fardado e armado.
«O outro imediatamente disse: quero encontrar o Pe. Manuel Nogueira. E quando respondi, sou eu, de imediato me foi ditada a sentença: então o Senhor está preso, por parte da República Popular de Moçambique. Com um calafrio a invadir-me o corpo, ainda consegui balbuciar: posso saber porquê? E a resposta foi cortante: isso é outra questão. Agora precisamos é de entrar em sua casa e passar revista ao seu quarto.
Conduzidos para dentro, começaram a abrir armários e gavetas, vasculharam tudo, até debaixo do colchão… perguntaram o quê e para quê é isto e aquilo… interessaram-se pela “caixa”, contendo algumas economias da comunidade… mandaram abri-la e meteram dentro mais algum dinheiro que encontraram na gaveta; foram atraídos também pelo gravador de som e mandaram juntar-lhe as respetivas cassetes; pegaram em uma pasta e abarrotaram-na de papéis apanhados a esmo sobre a mesa; fizeram perguntas pouco discretas: de quem são estes nomes? Porque andais a batizar as crianças? Isto é ilegal. Mas, quando lhes perguntei se havia alguma proibição em relação ao assunto, concordaram que não havia». (Padre Manuel Nogueira, O. H. Hospitaleiro, enfermeiro e missionário em África por Aires Gameiro, O.H. e Dra. Maria Paredes, 2018 Ed. Salesianas).
Aos 14 anos, ali para os lados de Fátima, em 1941, perguntaram ao P. Manuel Nogueira se queria ser a missionário nos Irmãos de S. João de Deus. Disse que sim. Já ensinava outros jovens quando em 1948-1949 fez o curso de enfermagem na Casa de Saúde do Telhal, com exame na Escola Artur Ravara, em Lisboa.
De 1956 a 1961 licencia-se e diploma-se em Teologia e Pastoral em Roma com numerosas altas distinções. Torna-se formador de Irmãos em Portugal e em 1972 é enviado para Moçambique onde ensina, exerce enfermagem e evangeliza, como missionário. Em 1979 foi feito preso político, várias vezes, a terceira em Machava. Nas prisões dormiu sem cama, sem colchão, sem cobertura, comeu com “colher” de tubo de pasta dentífrica.
Por fim,sem julgamento é libertado, volta às atividades, é reintegrado como enfermeiro de ergoterapia, constrói duas capelas, um centro paroquial, batiza centenas de crianças e jovens depois de os preparar; torna-se colaborador do Bispo, D. Manuel Vieira Pinto na redação da revista e boletim da diocese, pároco das paróquias de S. Pedro e S. José. Fez parte do conselho de consultores, conselho presbiteral. Pelas autoridades de saúde é nomeado Responsável dos Serviços Gerais do Hospital Psiquiátrico, e pelo Bispo, membro da equipa da catedral e relator dos eventos festivos e das atas do conselho presbiteral. Escreve o resumo histórico do hospital. Anima os jovens com catequese, peças teatrais de conteúdos bíblicos; é posto à frente da comissão de diálogo inter-religioso com os muçulmanos. Recebe das autoridades a devolução da Capela do Hospital, dá aulas de Português na escola militar e de Latim na Universidade Católica. Estamos em 1990 em que o P. Nogueira foi nomeado membro do colégio dos consultores, promotor da justiça, vigário judicial. E muitas outras dezenas de responsabilidades lhe foram pedidas até a 2003 em que o Senhor o chamou através de doenças de cancro. Durante esses anos saiu e entrou em Moçambique largas dezenas de vezes em funções da Ordem de S. João de Deus.
Agora que o Norte de Moçambique está com tremendos sofrimentos provocados pela Jihad faço votos que ele, como Enfermeiro, Irmão de S. João de Deus e Sacerdote, a sua intercessão no Céu leve o Senhor a aliviar aquela gente a quem ele se deu durante 30 anos de apostolado. E que o desejo do postulador leve a bom termo o projetado processo de beatificação na sequência da fama de santidade que deixou em Nampula.
Aires Gameiro