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Legalidade e Bom Senso

Uns falam de suspensão de direitos fundamentais, outros de meras restrições desses direitos

O Presidente da República anunciou o fim do estado de emergência e, com isso, logo se reacendeu a discussão em torno da legalidade e da constitucionalidade das “medidas indispensáveis para impedir recuos e regressos a um passado que não desejamos”.

A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade e à segurança, e refere expressamente que “os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição”. Só a declaração do estado de emergência pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias suscetíveis de serem suspensos, conferindo às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional. Este é o quadro constitucional que, deve dizer-se, não foi, como se sabe, pensado para situações de pandemia. Aliás, o próprio Presidente da República reconheceu já a necessidade de repensar o quadro legal relativamente a esta matéria.

Entretanto, e comentando a constitucionalidade das medidas de confinamento a adotar após o estado de emergência, o primeiro-ministro António Costa afirmava: “eu também sou jurista e sei a capacidade enorme que os juristas têm de inventar problemas. Felizmente, a realidade da vida é muitíssimo mais prática”. Não sei se, com esta afirmação, terá apenas reconhecido a sua capacidade para inventar problemas, se a sua tremenda propensão para os ignorar, mas é evidente que, para além de ter desconsiderado todos os juristas, acabou por fugir à questão. Não disse nada.

Fugiu ao tema, mostrou superficialidade na abordagem, mas as suas afirmações não fugiram ao controlo jurisdicional. É que acaba agora de ser conhecida uma decisão de um Tribunal Português de primeira instância que declarou inconstitucional a Resolução do Conselho de Ministros, considerando ilegal a obrigação de isolamento profilático. A questão não tem sido consensual: uns falam de suspensão de direitos fundamentais, outros de meras restrições desses direitos. É uma discussão jurídica que não vou aqui aprofundar.

A verdade é que, para além de qualquer discussão jurídica, que não deve ser desconsiderada ou desvalorizada, temos hoje uma certeza: esta é também uma questão de bom senso e só um comportamento cívico responsável, cumprindo as recomendações das autoridades de saúde para além de qualquer imposição legal, poderá evitar a propagação do vírus, enquanto avança o processo de vacinação e enquanto se pensa o Direito, que tem de se adaptar a um novo tempo e a uma nova realidade.