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Natureza, materializar conservação e desenvolvimento

Quando se trata de natureza e biodiversidade, é tudo ainda muito vago, intangível, sem métricas nem metas passíveis de mobilizar ou sequer de monitorizar

Já antes da pandemia COVID19, a constatação e alguma vontade política assinalavam a urgência de uma transição, justa, para uma economia menos cega, mais inteligente e duradoura. Os custos associados à crise climática ajudaram a evidenciar a ligação e dependência entre o desenvolvimento e pilar ambiental e, a política, com maior ou menor vontade, compreendeu que seria preciso algo mais do que a economia circular. Efectivamente, a eficiência e aumento do ciclo de vida de materiais por via da melhoria dos processos produtivos, sendo um contributo importantíssimo para a diminuição da poluição ou da extracção de matérias primas, não será, nunca, suficiente para assegurar a perenidade e progresso dos sistemas socioeconómicos. Daí a formulação e proposta de uma política de transição, justa, sem deixar ninguém para trás, mas igualmente garantindo a disponibilidade de recursos que a possam suportar. Ao anúncio da vontade política seguir-se-ia a proposta de roteiro, a identificação de requisitos e de caminhos e processos. A Europa, liderando, assume o chamado pacto ecológico enquanto quadro conceptual e promove estratégias sectoriais que parecem coerentes e alinhadas, gerando motivação e expectativa positiva. A agenda política ambiental internacional recebe a Estratégia Europeia para a Biodiversidade como um passo firme e irreversível que a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica também terá que ser capaz de assumir. A exemplo da Convenção Quadro sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica carece ainda de mecanismos e metas claras e vinculativas, a exemplo do conhecido Acordo de Paris. Quando se trata de natureza e biodiversidade, é tudo ainda muito vago, intangível, sem métricas nem metas passíveis de mobilizar ou sequer de monitorizar. Nem sequer se consegue perceber quem são os “maus da fita” com excepção para os momentos quase folcolóricos e pontuais suscitados pelos fogos na floresta Amazónia. A mudança surge na proposta de reservar e dotar de gestão efectiva, 30% do território, como garantia mínima para o funcionamento e disponibilidade adequada dos serviços dos ecossistemas. O desafio será o de se saber se o que os decretos determinarem terá a devida correspondência no terreno. A experiência, a nível mundial, está cheia de “parques de papel”. Áreas protegidas sem planos de negócio, sem planos de gestão, sem objectivos específicos, sem avaliação e seguimento, sem abertura para revisão ou actualização de prioridades. Autênticos edifícios estáticos, míticos, que vivem quase restrictos a uma dimensão simbólica, sem sentido e desligados do que hoje deles se espera. Remeter 30% do território a este tipo de não gestão poderá ser um risco demasiado caro face ao que se pretende, tendo em consideração o que a contabilidade recente nos vai dizendo. Desde 2016, uma pequena amostra que reúne 714 áreas protegidas em 129 países, representando, no total, pouco mais de 5% do planeta (portanto muito longe dos 30%), assumiu o compromisso de desenvolver planos de gestão e de negócio, estabelecidos com base em objectivos claros, orientados por uma visão e missão construídas em diálogo com os mais de 260 milhões de pessoas que vivem nessas áreas protegidas. Nem todas terão sucesso. Algumas até poderão deixar de ser áreas protegidas enquanto outras não serão capazes de concertar interesses comuns entre os seus actores. Mas todas, sem excepção, vão promover a discussão, o diálogo, a identificação de soluções e caminhos, abandonando o determinismo e a certeza de qualquer assinatura e carimbo sem sentido impostos pelo papel que ninguém leu ou discutiu e que poucos assumem carecer de revisão e adequação face à exigência da tarefa.

O contexto que associa a crise global à vontade política e disponibilidade de meios anunciadas é uma oportunidade a não perder.