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Non nobis

A última das nossas guerras tem sido objeto de avaliações diversas. Estranho? Nem por isso

Agora que o latim deixou de fazer parte do currículo dos estudos secundários, uma tirada nessa língua morta arrisca-se a soar a passadismo. Mas talvez se justifique.

A frase completa é “non nobis, domine, sed nomini tuo da gloria” (não para nós, Senhor, mas dá glória ao Teu nome). De origem, um salmo de David, que os cavaleiros Templários adotaram como sua divisa.

Atendendo a quem aqui a faz, esta citação tem mais de latim de sacristão do que de marca de erudição. E daí? Até clubes de futebol ostentam nos seus emblemas citações latinas, sem que os adeptos se sintam pressionados a fazer pesquisas etimológicas.

Non nobis foi o lema escolhido pelo Regimento de Infantaria nº 15, de Tomar, como seu. Se a ligação à sede dos Templários é direta, não é menos direta a constatação de que as campanhas que o Regimento travou não foram em proveito próprio; apenas o cumprir das missões atribuídas por outros.

A última das nossas guerras tem sido objeto de avaliações diversas. Estranho? Nem por isso. A I Guerra Mundial teve guerristas e antiguerristas; a Guerra da Restauração teve opositores, tal como todas as outras travadas pela afirmação da nossa Independência. Porque havia de a Guerra Colonial, ou do Ultramar, ser diferente? Pois se nem no nome há consenso!

Esta última Guerra teve características únicas, só comparáveis à luta das Milícias e Ordenanças durante as Invasões Francesas – só que, dessa vez, estávamos do lado certo da História.

A dispersão das tropas em África, a chamada quadrícula, levou a que a unidade base do conflito fosse a Companhia, um conjunto de centena e meia de homens, liderados por um capitão sobre o qual caía o peso do Mundo. Durante dois anos, o microcosmo da Companhia, confinada num espaço inferior ao de um campo de futebol, levou a que todos tivessem uma perspectiva diferente da vida; e os quadros aprenderam mais nesses microcosmos do que em todos os manuais, teóricos por natureza, desajustados por fatalidade, importados por tradição.

Foi o conhecimento da realidade nacional que desencadeou o processo que levou ao 25 de Abril, e foi a sua singularidade que confundiu os mais encartados analistas.

Para aumentar a confusão, como se não bastasse não haver generais (ou coronéis, como os gregos), eis que os animadores da festa se retiraram, alegando missão cumprida.

Não faltaram argumentos, súplicas, e até cantos de sereia, para os dissuadir desse suicídio político.

Mas prevaleceu aquele velho conceito: non nobis, não para nós.

Como no salmo de David: não tanto para dar Glória, mas para dar Soberania e Dignidade ao seu Povo.