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Online ou offline, presencial ou à distância

A problemática do ensino em geral e, mais especificamente, ensino de música, em tempos das aulas à distância, é um assunto que está a ser muito debatido durante os últimos 14 meses. Praticamente todos os países, com vários graus de cultura digital, vários níveis de informatização e vários sistemas de educação musical, seja geral ou especializada, depararam-se repentinamente com a necessidade de formular soluções concretas, implementáveis e flexíveis, para fazer face às necessidades do presente sem, neste momento, ter o poder da definição do futuro. Inteiras conferências e publicações estão a ser dedicadas ao debate e à análise da situação, da mudança do paradigma de ensino de instrumentos, das estratégias alternativas, das ferramentas já existentes e ainda não existentes, e da qualidade de interação educativa.

Por tanto depender da qualidade da ligação audiovisual, da existência de instrumentos em casa, do apoio parental e da vontade de flexibilizar a atitude de parte a parte, entre tantos outros fatores, o processo de ensino de música, sobretudo de nível especializado e profissional, revela nestes tempos toda a sua fragilidade, vulnerabilidade e sensitividade, mas também capacidade para motivação, tenacidade e perseverança dos educadores e entusiasmo, empenho e superação dos educandos.

Não ajuda, nesse contexto, o facto de a música ser a arte mais abstrata e transmitida por ondas invisíveis, e por isso a imediatez da sua comunicação (sempre individuada e personalizada) ser mais facilmente partilhada em contacto vivo, pessoal e presencial. Como é que se explica, partilha e ensina aquilo que reside para além das sonoridades, através de uma plataforma digital e ainda com desfasamento entre a imagem e o som?

Uma pesquisa recentemente conduzida em Portugal identifica a opinião dos docentes plenamente partilhada pelos colegas noutros países: por muito que se tente, nenhuma interação digital pode substituir a interação cara a cara, e aquilo que se vive e sente num espaço partilhado. No entanto, este período consciencializou, para muitos professores de música, a possibilidade de o ensino assíncrono representar um bom complemento do ensino síncrono, e o ensino à distância representar um bom complemento do ensino presencial. Contudo, além das vantagens individuais, será necessário também ter sempre em conta as vantagens coletivas e a sustentabilidade do sistema, sendo que o sucesso deste equilíbrio deverá depender duma adaptação permanente dos planos curriculares que, por sua vez, depende do investimento necessário efetuado pelos governos.

Os obstáculos são ainda mais sentidos em qualquer situação de turma no ensino de música à distância, seja isso formação musical, música de câmara ou classes de conjunto. As “tarefas” desempenhadas e gravadas individualmente são depois coordenadas por via digital para formar um coro, uma orquestra ou uma banda mas, por muito que demonstrem o empenho pessoal dos alunos e professores e por muito que possam resultar numa combinação tecnológica e logisticamente fascinante, nunca permitem a partilha daquilo que é o espírito verdadeiro da comunhão musical que só as pessoas que alguma vez na vida estiveram envolvidas numa iniciativa musical coletiva sabem apreciar.

Por isso, o foco de todos os debates e o cerne de todas as discussões, deliberações e decisões deve poder resumir-se num único fator: o fator humano. As plataformas, o mundo digital e as facilidades tecnológicas estão aqui para apoiar e enriquecer a experiência. Nunca vão substituir a criatividade, intuição, empatia, paixão, coragem e vontade de aprender e crescer do ser humano. E é destas qualidades que depende a nossa adaptação a um futuro que talvez nunca mais será igual ao nosso passado, mas que nem por isso nos deve privar das experiências e atividades que alimentam a nossa psique e alegram o nosso coração.

É a tarefa desta geração de professores conseguir transmitir estes valores em contexto da nova realidade de ensino e da prática musical, e será a tarefa desta geração dos alunos salvaguardar e contextualizar estes valores num futuro que caberá a eles escrever.