O 25 de Abril é de todos os democratas
Sou filha do 25 de Abril. Pode parecer um lugar comum, mas a minha história de vida e a pessoa que sou são resultado do tempo e do contexto onde nasci: 1970, no Jardim do Mar. Foi ali que tive contacto com pessoas que me fizeram compreender o significado de Liberdade e de Democracia.
Foi ali que tive contacto directo com exemplos dos valores de Abril: cooperação entre os residentes (o asseio da freguesia era feito pelos residentes), respeito pelas pessoas independentemente do estatuto social, acesso a bens alimentares mais acessíveis, com a criação de uma cooperativa, acesso aos livros com a fixação de uma biblioteca na freguesia, conversas sobre a ditadura e a democracia, sem medo de que alguém ouvisse, rejeição da subjugação ao braço do poder, mesmo aquele que dominou a Região após a Revolução dos Cravos (se bem que a professora que se “atreveu” a comemorar o 25 de Abril, nos anos 80, foi suspensa da actividade docente por 2 anos). Algo que tenho na memória era ouvir as canções de abril lá em casa e na casa das vizinhas.
Porém, não vou usar este texto para depositar memórias ou revive-las. Quero, antes, fazer uma breve reflexão sobre algo que sempre me incomodou e esta semana voltou a despertar, ao acompanhar as notícias que davam conta do impedimento do partido Iniciativa Liberal nas comemorações do 25 de Abril deste ano. O evento ocorrido em 1974 e protagonizado por militares progressistas e pelo povo, marca o início de um processo transformador do regime político e da sociedade portuguesa, com a construção progressiva da democracia e a assunção das liberdades, direitos e garantias.
O 25 de Abril e os valores subjacentes parecem ter sido capturados por uma associação. Só assim se pode justificar que todo o povo português não assuma a data como sua, pois nem todos fazem parte do grupo dos escolhidos. Uma coisa é vincular a data ao processo revolucionário que ditou a queda do regime, outra perspectiva é associar a data ao processo que se seguiu, de afirmação e aprofundamento do regime democrático, que veio introduzir melhorias significativas à vida do nosso povo. Se uma coisa não seria possível sem a outra, a verdade é que apropriação do evento pelos partidos de esquerda impediu que parte da população se revisse e comemorasse aquele ato libertador da sua condição.
O 25 de Abril é de todos os portugueses democratas e lamento, por isso, que não estejamos todos os anos, por esta data, de cravo na mão a lembrar os que tornaram possível a libertação do povo, mas igualmente a comemorar a Democracia.