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Malandrices

O que o juiz Ivo Rosa fez foi aceitar uma abertura estúpida que o sistema lhe permite, ilibando assim uma pessoa sem julgamento

Ora bem, assim de repente veio-me à lembrança a crónica que o Mário Zambujal escreveu há já um ror de anos sobre um grupo de cidadãos a que chamou de “Bons Malandros”

(o livro lê-se num ápice, de tão saborosa que é a escrita).

E veio à lembrança por contraponto sobre a malandragem que temos vindo a assistir.

Neste caso não podemos dizer que sejam “bons” os malandros envolvidos, mas já lá vamos.

Por malandragem podemos entender como sendo um conjunto de artimanhas utilizadas para se obter vantagem em determinada situação. Exige destreza, lábia, ou quaisquer características que permitam a manipulação de pessoas ou resultados, por forma a obtê-los da maneira mais fácil possível.

Precisamos então de um, ou vários, malandros para se poder ter uma malandragem, como é óbvio (sem malandros não há malandragem, diria o Senhor de La Palisse).

Por definição, um malandro é: um patife, uma pessoa marginal, um vadio, uma pessoa que não gosta de trabalhar, uma pessoa que gosta de pregar partidas, um maroto, um brincalhão, alguém que revela maldade, um malicioso. É muita coisa para uma pessoa só, mas enfim é o que é!

Nas malandrices actuais, aquelas que nos trazem aqui hoje, as mais comentadas dos últimos dias e às quais não conseguimos escapar, há vários malandros que não são, obviamente, tudo o que está definido para tal, mas que têm algumas características que permitem enquadrá-los na categoria.

Um dos malandros, José Sócrates disse antes de começar a escutar o que o Juíz Ivo Rosa tinha para (lhe) dizer, ser esta “a primeira vez que um tribunal tenta dignificar a justiça” e que “decide comunicar directamente aos interessados a sua decisão”.

Ora bem, para um malandro dar a cara só pode ser porque já sabia antecipadamente qual o teor da dita decisão (como veremos, um malandro é, também, uma pessoa que gosta de se exibir).

Mas, vejamos, o que está mal não é a decisão do juiz Ivo Rosa. Ele que tem todo o direito de ter a sua opinião e de expressá-la, como qualquer português. O juiz apenas fez o que o sistema deixa que faça: transformar opinião em sentença. E é aqui que a porca torce o rabo.

Como leigo na matéria, tenho por entendimento que uma opinião pode ser dada em qualquer circunstância e sobre qualquer assunto, mas uma sentença só deve ser dada quando há um julgamento prévio, no sítio próprio, onde acusação e defesa possam trocar argumentos e provas que possam levar a uma conclusão, e esta a uma sentença: inocente ou culpado, segundo as provas dadas como provadas.

Qualquer português poderia ter lido o que a investigação apurou e poderia também emitir uma opinião!

Mas não poderia emitir uma sentença.

O que o juiz Ivo Rosa fez foi aceitar uma abertura estúpida que o sistema lhe permite fazer, ilibando assim uma pessoa sem julgamento. O sistema permite-lhe isso e foi isso que fez - emitiu uma opinião. Só que a sua opinião “vale” mais do que a de qualquer outro português, e é isso que não devia acontecer!

As opiniões deveriam ter, todas, o mesmo peso e a mesma medida.

Se a opinião do juiz Ivo Rosa se mantivesse igual depois de um julgamento com defesa a acusação a trocarem os seus argumentos e provas em local próprio (um Tribunal, com um ou mais Juízes, com todos os R’s e S’s exigidos pelo rigor a Justiça deve ter), então a sentença seria esta e não haveria dúvidas sobre a sua justeza. Assim, o que temos são dúvidas e mais dúvidas.

Até porque o principal visado estava presente, sinal de que já tinha conhecimento do teor da opinião como atrás referi, porque senão não teria exibido a cara triunfante que exibiu

(um malandro, ao contrário de um criminoso, como bem explica Gonçalo M. Tavares no prefácio da última edição da obra de Mário Zambujal, “é aquele que gosta de estar acompanhado; o malandro exibe-se, não lhe basta fazer: precisa de espectadores”. A malandragem é “uma forma de camaradagem”, conclui, enquanto que “um criminoso nunca será um malandro, é de outra laia”).

O que assistimos há dias foi uma, digamos assim, malandrice, enfim uma trafulhice permitida por lei, que serviu para que um malandro (neste caso não o poderei apodar de “bom”) fosse libertado de umas grilhetas por um outro que não sendo, estou certo, do mesmo calibre, actuou daquela forma que a definição diz: como uma pessoa que gosta de pregar partidas, um brincalhão, transformando um assunto sério numa brincadeira, numa marotice (tal como diz a definição!)

O que está muito, mas muito mal não é a opinião do juiz Ivo Rosa.

O que está mal, mas muito mal, é haver, é termos, um sistema que permite que o juiz Ivo Rosa transforme opinião em sentença sem ter dado os passos indispensáveis para que a Justiça seja encarada com justiça.

Enfim, uma crónica de malandrice, uma “crónica de malandros” que não são “bons” como os do Mário Zambujal!

E o que há de “bons” malandros por aqui e por aí…é escolher fregueses (portugueses, de lá e de cá!), é escolher!

E para quando um Sistema Nacional de Justiça à semelhança de um Sistema Nacional de Saúde?