Abanão
Boa noite!
O futebol que aprendemos a gostar desde tenra idade e a jogar mal ainda andávamos está irremediavelmente ameaçado.
Numa só semana, o que meia-dúzia de milionários endividados do futebol europeu - mas também a FIFA e a UEFA - propuseram atenta contra a carta olímpica, os princípios que regem o desporto e tudo aquilo que é normal numa sã competição. O donos da bola gritaram, seja através de propostas tentadoras ou ameaças repugnantes, que o dito desporto-rei de alto nível não é mais do que um circo itinerante e um ‘reality show’ em larga escala; que o espectáculo criativo passa a ser mero negócio em circuito fechado; que o mérito não conta para nada; que a formação é entretenimento de bairro pois a bola não é para quem quer, mas só para uma elite; e que os talentos, sobretudo os das ultraperiferias, ficarão à margem da oportunidade e do sucesso global.
Enquanto adeptos do futebol “em estado puro” devemos revoltarmo-nos contra os que se são árbitros e jogadores ao mesmo tempo; contra os que regulam e financiam com mesma mão; contra os que estabelecem regras universais que servem mais para punir os fracos do que para castigar as infracções grosseiras das estrelas que sustentam a indústria; contra os que se fazem pagar pelas lógicas inclusivas, mas promovem a exclusão; contra os que debatem modelos alternativos para promover a equidade, mas fomentam os desequilíbrios.
Se assim for, o abanão em curso à conta do Superliga europeia ou do novo formato de Champions pode ter sido útil, nem que seja para voltarmos aos momentos de glória dos tempos em que jogávamos sem árbitros e às vezes sem bola, em caminhos inclinados, com montes de pedra ou a bata da escola a fazer de baliza e com reprimenda à espera.