Na fazenda onde há 60 anos cultivam "verduras frescas", três agricultoras octogenárias madeirenses aproveitaram uma represa para construir uma pequena "ilha" onde a família serve espetadas nos convívios com os amigos e recorda as suas origens na Madeira.
Na sua pequena "Ilha da Madeira", com bandeira da Região Autónoma junto à ponte de entrada, as irmãs Maria Alice, Maria Teresa e Maria Rosa falam de como foi a vida de infância no campo e a "vida dura" que é trabalhar a terra em África.
"Já tínhamos tido lojas em Joanesburgo, mas como não dava bastante, o meu marido, o meu cunhado e o meu irmão decidiram vir aqui para baixo porque acharam que era melhor", conta Maria Alice, sublinhando que na Madeira já se dedicavam ao cultivo, mas apenas para consumo próprio.
"Na Madeira, já éramos lavradoras [...] mas não era assim em grande quantidade", lembra Maria Rosa.
Maria Alice do Vale Salgado, de 86 anos, foi a primeira de três irmãs a casar quando emigrou aos 19 anos do Estreito da Calheta, na ilha da Madeira, para a África do Sul, em 1954. Uma década depois, veio a irmã gémea Maria Teresa Farinha, juntando-se mais tarde, em 1969, a outra irmã, Maria Rosa da Serra, hoje com 84 anos.
"É um orgulho ter chegado aqui, trabalhar duro e produzir a verdura. Uns dias melhores outros piores, mas a vida é assim para tudo", afirma Maria Teresa.
Em 1962, esta família de agricultores madeirenses começou por comprar 90 hectares de terreno para plantar "verduras" e vender no mercado, sendo que, em 1984 adquiriram mais 120 hectares para expandir o negócio que hoje, já com 230 hectares, emprega uma centena de funcionários a tempo inteiro e outros tantos sazonais, na produção de alface, repolho, brócolos, couve-flor e milho-doce, entre várias outras culturas, nomeadamente a cana-de-açúcar.
A família montou também na sua fazenda uma pequena clínica para atender as necessidades das populações rurais das imediações, segundo o filho mais velho de Maria Alice, João Salgado.
"Agora não queremos fazer mais nada, temos a família toda junta", refere Maria Alice, salientando que "são muitas as memórias, algumas muito boas", mas que "é muito duro trabalhar em África".
Sobre o possível regresso à Madeira, adianta que "agora já não". "Já não temos lá ninguém de família, só primos", diz.
"Era bom voltar à Madeira, era muito bom", diz, no entanto, Maria Rosa, de sorriso rasgado.
Na sua pequena "ilha da Madeira", tenta afastar as preocupações de um dia lhe tirarem sem compensação tudo aquilo que a sua família construiu de sol a sol - a empresa agrícola na África do Sul, se a proposta em discussão no Governo sul-africano for para a frente.
O cônsul honorário de Portugal em Durban, Elias de Sousa, estima em cerca de 30.000 o número de portugueses a residir atualmente na província do KwaZulu-Natal, dos quais pelo menos 20.000 na área metropolitana da cidade portuária de Durban.
Agricultores madeirenses alimentam África do Sul há 60 anos
A exploração agrícola da família Salgado, na província do KwaZulu-Natal, litoral do país, abastece de vegetais, há seis décadas, as principais grandes superfícies na África do Sul.
O negócio agrícola familiar, já na 4.ª geração, ocupa 230 hectares a cerca de 70 quilómetros a nordeste da cidade portuária de Durban, empregando uma centena de funcionários a tempo inteiro e outros tantos sazonais, na produção de alface, repolho, brócolos, couve-flor e milho-doce, entre várias outras culturas, nomeadamente a de cana-de-açúcar.
Esta família oriunda do Estreito da Calheta, na ilha da Madeira, emigrou primeiro para Joanesburgo, vindo a estabelecer-se no litoral sul-africano, em 1962, onde começou por adquirir 90 hectares de terreno para a plantação de frescos.
Após a morte dos respetivos maridos, em 1989 e nos anos 2000, as irmãs Maria Teresa Farinha, de 86 anos, Maria Rosa da Serra (84) e Maria do Vale Salgado (86) asseguraram a propriedade da fazenda, que é hoje administrada pelo filho mais velho da última, João Salgado, de 58 anos, e pelo cunhado deste, Brett Newlands, de 52 anos.
Na ótica destes agricultores, a África do Sul colhe em pleno os frutos do esforço e dedicação desta família de agricultores madeirenses, numa altura em que o Governo do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), pretende alterar a Constituição do país com o objetivo de tirar sem compensação as terras privadas produtivas a agricultores latifundiários brancos para entregar a agricultores emergentes negros, no âmbito da política de redistribuição económica radical, em curso no país desde 1994.
Após quase cerca de 30 anos de governação, marcada por corrupção endémica na administração pública, protestos sociais quase diários e elevado desemprego, superior a 32,5%, a popularidade do ANC está em queda, tendo obtido apenas 57,5% dos votos nas eleições gerais em 2019, o valor mais baixo de sempre desde assumiu o poder nas primeiras eleições multipartidárias e democráticas após a queda do regime do 'apartheid'.
"A situação de incerteza política e o clima, que também muda constantemente", são hoje os principais desafios, diz à Lusa João Salgado, salientando nunca ter tido "um problema de insegurança" nas suas terras, "apenas, pequenos roubos".
Este agricultor lusodescendente, que começou a plantar alfaces em 1987, diz viver na esperança de poder dar continuidade ao negócio da família, "em paz e felicidade", e de conseguir "prosperar" quando o Governo sul-africano aplicar a nova lei de expropriação sem compensação.
"O nosso único problema é saber se o Governo nos irá ajudar, é preocupante ouvir que querem tirar as nossas terras e por isso é difícil investir financeiramente na fazenda sabendo que poderá ser expropriada a qualquer momento", refere Brett Newlands, salientando que há planos para expandir o negócio.
A área onde está localizada a fazenda da família madeirense já foi alvo de uma tentativa de reclamação de terras por parte de uma comunidade local que se juntou há 10 anos, mas que foi resolvida pela Justiça sul-africana, explica João Salgado.
"Neste momento temos uma outra reclamação de pessoas que alegam ser inquilinos por trabalharem na fazenda, o que não é verdade porque sempre foram funcionários assalariados, e é também um processo em vias de ser resolvido", adianta o agricultor luso-sul-africano, sublinhando que "agora, as pessoas começaram a reivindicar as terras onde trabalham".
Com encargos operacionais que rondam os 600 mil rands (35 mil euros) por mês, Brett Newlands prevê que o impacto da nova lei será desastroso.
"Se a fazenda for expropriada, as 100 pessoas que aqui trabalham [...] ficarão sem trabalho, e nós também, e os alimentos que produzimos e fornecemos para alimentar milhares de pessoas e vários mercados no país, deixarão de se produzir", sublinha.
Todavia, após o esforço, dedicação e investimento financeiro de várias gerações da sua família a esta terra, João Salgado e o cunhado acreditam que não é possível começar de novo num outro lugar.
"Para onde vamos", questiona, sublinhando que "algumas pessoas julgam que basta vender a fazenda e ir para algum lugar que será melhor, mas quem pode dizer que será melhor, muitas pessoas emigraram para a Nova Zelândia e a Austrália, mas ouvimos que muitos estão a regressar porque falharam".
"Não vejo porque é que devem ser expropriadas as terras agora de qualquer maneira e julgo que precisamos de ser assistidos nesse sentido pelas autoridades portuguesas", no sentido de intervirem junto dos responsáveis sul-africanos, defende.
Brett considera ainda que "os agricultores emergentes têm de contar com um sistema de apoio que os assista por forma a que a África do Sul não venha a ser mais um Zimbabué, ou outro país que fracassou e onde as pessoas passam fome".
O cônsul honorário de Portugal em Durban, Elias de Sousa, estima em cerca de 30.000 o número de portugueses a residir atualmente na província do KwaZulu-Natal, dos quais pelo menos 20.000 na área metropolitana da cidade portuária de Durban.