Crónicas

Na política não há ingénuos

Uma das características que temos que me desgosta profundamente é a desresponsabilização

1. Disco: mão amiga fez-me chegar os Black Country, New Road e o seu “For the first time”. E rendi-me aos primeiros acordes, uma mistura energética de experimentalismo que vai do jazz ao punk. Um som hipnótico e a que não se consegue ficar indiferente.

2. Livro: já aqui falei de um excelente livro de Daron Acemoglu e James A. Robinson, que dá pelo nome “Porque falham as Nações”. Saiu recentemente, dos mesmos autores, “O Equilíbrio do Poder”, uma viagem sobre os diferentes modos como o Estado se pode estruturar. Um trabalho, excepcionalmente bem feito, que documenta tudo o que afirma com exemplos históricos. Um livro imprescindível para quem gosta de reflectir sobre o Estado e o seu papel.

3. Todos os povos têm particularidades que os caracterizam. Umas são boas e, outras, nem por isso, para não dizer más. Uma das características que temos que me desgosta profundamente é a desresponsabilização. Ninguém tem culpa de nada. As coisas acontecem e a culpa é “do outro”, ou, convenientemente, não há responsável, ou foi o “divino”, ou aconteceu porque houve algo mais forte que o permitiu. Nos últimos dias, até ouvimos uma versão superior: “foi assim porque queria cumprir a legalidade”, mesmo que isso tenha levado a uma ilegalidade.

Somos generosos, solidários, acolhedores, amistosos, e temos sempre uma desculpa pronta quando erramos ou falhamos.

Acredito mesmo que há, ainda antes de ter começado, quem já tenha elencado uma série de desculpas para usar, caso a coisa não corra de feição.

Bem sei que o sucesso e as desculpas são coisas que andam de mãos dadas. Tenho, mesmo, assente que se pode medir um falhado pela quantidade de desculpas que arranja. As desculpas podem dar satisfação a quem as usa, mas quando isso se transforma num hábito é esse o preciso momento em que o caminho para a realização se transforma numa jornada para o fracasso.

As justificações são um vício, são prejudiciais, inferiores e sempre desfavoráveis. São marcas de carácter, de menos.

Olhemos para os que exercem o poder. São justificações umas atrás das outras: é Lisboa que impede, só queria fazer tudo na legalidade, a culpa é dos bancos e da burocracia, etc. Tudo serve para justificar incompetências, o incumprimento de promessas, o mentir com os dentes todos.

Assumir as responsabilidades pelo fracasso, será sempre de muito maior valor do que uma justificação, por melhor que esta seja. Até porque é a partir daí que se pode corrigir e seguir. Experimentem e vejam se não dói menos que a justificação.

4. Se alguém estava à espera que falasse hoje do caso do financiamento do CDS Madeira, desengane-se. Está tudo tão claro que o próprio caso fala por si. Não tem justificação possível. Fico à espera do que as autoridades vão fazer em relação a isto. Mas vou-me sentar primeiro…

5. Pronto, não consigo resistir. Deixo aqui as perguntas que o CDS Madeira de Rui Barreto ainda não respondeu.

Porque é que o dito empréstimo foi distribuído pelas contas de vários militantes, em fatias nunca superiores a 5000 euros, e não caiu nas contas do partido, que era a quem se destinava?

Quer o CDS convencer-nos de que um grupo de militantes se disponibilizou a ajudar, pedindo dinheiro que depois iriam emprestar ao partido? Em que moldes seria feito esse empréstimo?

Se o dinheiro se destinava a pagar contas do partido, e visto ter ido parar a contas de militantes, como se processariam esses pagamentos? Cada um pagava, com o dinheiro que tinha na sua conta, as dívidas pendentes do CDS Madeira?

Se o empréstimo de César do Paço não foi usado, pois entretanto conseguiram um financiamento bancário, porque não foi devolvido, de imediato, ou no momento em que o advogado deste contactou o líder regional do partido? Porque é que só foi devolvido 18 meses depois e após o contacto da SIC com o Secretário Regional da Economia e líder do CDS Madeira?

E o dinheiro onde ficou esse tempo todo? Nas contas das pessoas de confiança de Rui Barreto, a ganhar juros? Ou, afinal de contas, entrou nas contas do CDS Madeira?

O pagamento do emprestado foi feito de uma conta do partido para a conta de César do Paço, ou foram várias transferências feitas a partir das contas dos militantes onde originalmente foi depositado, em tranches, o empréstimo?

Alguma destas questões foram explicadas aos membros da Comissão Política do CDS, ou estes, com uma e honrosa excepção, limitaram-se a, acefalamente, votar favoravelmente uma moção de confiança que também os torna responsáveis por tudo isto?

6. Havia uma terra onde não se podia dizer nada “contra”. Fazê-lo era o mesmo que pôr o pescoço a jeito para levar uma talhada. Os “a favor” diziam logo coisas muito faláveis que enchiam os ouvidos, de uns quantos, que com aquilo se deliciavam.

Dizer “não gosto”, era também muito perigoso. Ou pegar num recorte de uma notícia desfavorável a qualquer coisa e publicá-lo, num recanto qualquer, com um comentário. Os “do contra” são as bruxas destes tempos. Os “a favor” são assim uma espécie de polícias do pensamento, porque não têm nenhum. Gostar ou não gostar de algo, manifestação individual que nos identifica como realidades únicas e irrepetíveis, é, para o rebanho dos “donos do gosto”, heresia merecedora de punição.

É vê-los com discursos de boca cheia, reflexo do que outros pensam e verbalizam. Calculo, mesmo, que há assim uma espécie de manual que determina o que dizer, pois o pobre argumentário é sempre o mesmo. Uma verborreia que nada justifica a não ser a necessidade de, de lápis azul na ponta da língua, dizer mal de quem se atreveu a exercer a crítica, apoiado no seu próprio gosto.

Tem de ser mesmo assim, porque são cada vez mais os atrevidos a exercerem o seu direito de opinião e, assim, a serem “do contra”. Se os do “sempre do contra” são cada vez mais ricos no que dizem, os do “sempre a favor” precisam de novos discursos, de novas ideias pequenas que possam desenvolver à exaustão. É que, o que dizem, já se adivinha antes que o façam.

Os do “sempre a favor” mais não fazem do que seguir a “voz do dono”. Daqueles que andam em bicos dos pés destacam-se uns quantos que também gostam muito de se ouvir, mesmo que não originais. Coitados que não têm muito jeito para a coisa do falar e do escrever. Mas falam grosso e alto, cheios de empáfia, o que os faz terem-se em muito boa conta. São assim uma espécie de fadas madrinhas, serviçais à fada maior.

Eu aceito que os “sempre a favor” o sejam. É um direito que lhes assiste. Gostava muito que me reconhecessem, então, o direito de ser “sempre do contra”, principalmente nos juízos de valor que faço que tenham a ver com o meu (sublinho “meu”) gosto… ou falta dele.

Atenção que também há alguns, poucos, do “sempre a favor” que sabem o que dizem. Que argumentam bem e da sua sabedoria, sem precisarem de recorrer ao manual. Que não são pacóvios provincianos, pois têm mundo nos olhos e no pensamento. É pena serem poucos e perceberem que, na maior parte das vezes, não vale a pena discutir o gosto dos outros e a opinião bem fundamentada, mesmo que não concordante. Desses eu gosto. Muito.

Que sou “sempre do contra”? Se calhar sou muitas das vezes. Mas não tantas como os que são “sempre a favor”.

7. Isto tudo para dizer que não gosto mesmo nada da imagem de 570 mil euros + IVA de promoção da Madeira. Não gosto e ponto. E quem gosta, gosta e o mundo não se vai desfazer porque temos opiniões discordantes.

Embora fosse bom que concordássemos todos que 560 mil euros + IVA é um balúrdio…