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Os tribunais, as leis e a justiça

Enquanto os portugueses optarem por ser piratas, terão de alimentar os Alexandres!

Há muitos, muitos anos, nas páginas deste diário, no contexto relacionado com o julgamento do trágico acidente rodoviário ocorrido na noite de 8 de Setembro de 1982, no arraial do Loreto, escrevi que os tribunais não são lugares onde se faz justiça. Os tribunais existem para aplicar a lei vigente. Donde se conclui que, se a lei não for justa, o resultado que se tem de esperar é iníquo. E é bom ter presente que o juiz, apesar da sua independência e inamovibilidade ou talvez por causa disso, não pode deitar mão doutra lei senão a aplicável ao caso cujos factos são avocados no processo judicial em análise e no respeito pelo enquadramento tipificado na lei.

Já nem quero suscitar a questão relativa à demora que os nossos tribunais levam para concluir os processos que lhes são submetidos a apreciação. Nem quero, nem sei identificar as razões de um processo se arrastar anos e anos até chegar à sua conclusão. Do alto da minha ignorância, apenas posso fazer eco dos argumentos propalados: falta de pessoal, desde juízes a oficiais de justiça, falta de equipamentos adequados, falta de formação, estratagemas dilatórios da iniciativa das partes, etc…

Como cidadão e português minimamente atento ao que se passa à minha volta, não posso fingir que desconheço a situação que se arrasta, há anos, com a Operação Marquês. E não sou eu quem vai fazer “julgamento” deste processo, tal como, anteriormente, não fiz doutros processos como foram o caso dos submarinos, BPN, BES, Casa Pia, Tecno qualquer coisa, e tantos outros que são mais ou menos do domínio público.

Mas há um aspecto que eu não posso deixar, neste contexto, de me revoltar. Há muitos, muitos anos que ouço falar em criminalização do enriquecimento injustificado/ilícito. E todos estes anos têm passado sem que as maiorias dos nossos deputados, da esquerda, da direita, do centro, do norte e do sul, tenham dado um passo no sentido de concretizar a tal lei. Convém a todos? Pelos vistos, será confortável exigir ao juiz que, antes de aplicar uma pena por corrupção, alguém traga ao processo um documento onde se identifique os envolvidos, o montante, a razão do “pagamento do servicinho”, a hora e o local de entrega da mala recheada? Se a prova for com recurso a imagens, ter-se-á de se apresentar um documento assinado pelos intervenientes a autorizar a tomada de imagens? E com assinaturas reconhecidas?

Nesta matéria, os nossos representantes estão-se a representar bem!

Tal como no tempo do P.e António Vieira, no século XVII, há verdades que se mantêm actuais.

“Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. (…) Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo de seu risco, estes, sem temor nem perigo; os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.”

Enfim, enquanto os portugueses optarem por ser piratas, terão de alimentar os Alexandres!