Análise

Passar das marcas

Para mudar a imagem que o mundo tem de nós é preciso bem mais do que Dinheiro

Nunca uma marca na Madeira gerou tanta pluralidade opinativa, seja sob forma disparate, de crítica assertiva ou de convicção emocional, como a que foi motivada pela nova imagem promocional do destino. Prova que a marca somos nós e que as suas expressões estilizadas espelham, em parte, um inconformismo crescente, por enquanto mais em matérias marginais do que nas questões fracturantes.

Embora seja fácil embarcar no coro de assobios populistas, tanto para apimentar o escárnio como para melhorar a comunicação, importa parar para pensar, dar-se ao trabalho de ler a fundamentação criativa e perceber tendências, mesmo correndo o risco de ser alvo de acusações, de condenações e até de manifestações.

Da histeria, por vezes redutora e inconsequente, sobram 10 constatações.

1. Muitos reclamam, mas na hora de fazer opções quase todos preferem a qualidade do produto ao embrulho, seja ele feito de grafismo encantador, estética admirável ou logotipo estonteante. Se assim não fosse, as marcas brancas já tinham sido varridas de forma definitiva das prateleiras.

2. É inegável que ninguém escolhe destinos à conta do grafismo, do autocolante, do pin ou da brochura. O que para muitos determina escolhas é o preço, sobretudo aquele que é proporcionalmente inverso ao custo do ‘rebranding’ da marca Madeira.

3. Qualquer leigo na matéria, desde que lúcido e com bom senso, sente incómodo nas primeiras horas de contacto com a novidade e percebe que uma das expressões da nova identidade visual é de difícil leitura. Com o tempo, a malta habitua-se e o certo é que os círculos inclusivos da nova imagem entranharam-se de tal forma que em 5 dias não só geraram criatividade doméstica, como passaram a ser tão recorrentes na comunicação, tanto dos que querem ter graça, como nos que gostam de ser engraçados.

4. Em muita argumentação pública, que se saúda e fomenta, houve confusão de conceitos quando, afinal, a marca parece ser a mesma: Madeira! Mas podia ser outra. Já estivemos mais longe.

5. O ‘buzz’ gerado vale bem mais do que a indiferença. Houve outras marcas lançadas esta semana, alegadamente bem mais poderosas, que não tiveram 10% do alcance daquela que é ‘tão nossa’, pois foi paga com dinheiro dos nossos impostos e contou com contributos de 9 mil inquiridos.

6. O surto opinativo em torno da nova imagem gráfica transporta-nos para o domínio do improvável, aliás, previsto numa das frases do livro ‘Catarina ou sabor da Maçã’. “Imaginamos histórias demasiado trágicas para os universos que não dominamos”, escreve António Alçada Baptista.

7. A acusação da “vulgaridade imitada”, associada por alguns especialistas sem habilitações ao mesmo trabalho criativo contrasta com a elevação do designer canadiano alegadamente plagiado Philippe Cossette: “Eu sou do tipo de pessoa que pensa que se deve sempre ter cuidado antes de sistematicamente atribuir más intenções, especialmente num ambiente onde a linha entre inspiração e plágio pode ser ténue”.

8. No palavreado menos esclarecido posto a circular à boleia das audiências houve gente que entrou no despique fora de tom, pois padece de amnésia e detesta que alguém lhes avive a memória. Enganam-se os que julgam que tendo tempo para reescrever a história à sua maneira instalam sem reparo uma espécie de nova ordem regional à qual todos somos obrigados a prestar vassalagem.

9. Andamos uma semana entretidos com a marca e o botão, quando há assuntos bem mais importantes na ilha da fantasia, mesmo que algum anacronismo político teime em fixar-se nas banalidades, o que por si só é confrangedor. Sempre que a Madeira enfrenta questões vitais e défices de imagem externa há uns poucos a tentar desviar atenções para dossiers requentados e males menores. Basta ver o comportamento de certas centrais de produção de comunicados e afins que nada disseram sobre comportamentos delinquentes do momento.

10. O que realmente tem vindo a tornar a Madeira mediática nos últimos tempos, porventura desde 1978, não se resolve com 560 mil euros e cosméticas apressadas. Vai ser preciso investir muito mais para pôr a brilhar a ‘pérola’ enterrada e betonizada há décadas; para arejar as gavetas que esconderam a dívida colossal; para credibilizar os que entram em esquemas duvidosos; para fazer sonhar os que desesperam por um amigo financiador, por via do euromilhões, da raspadinha, da bazuca, dos fundos, da cunha ou da estranha transferência.