Prescrição às prestações
Devido à “Operação Marquês”, a prescrição no Direito Penal entrou na ordem do dia
Em contexto de pandemia poderia pensar-se que a prescrição só seria capaz de preocupar os Portugueses na medida em que dissesse respeito a testes, vacinas e medicamentos. No entanto, no dia 9 de Abril, fruto da decisão instrutória proferida na “Operação Marquês”, a prescrição no Direito Penal entrou na ordem do dia. E ao ponto de, desde então, a COVID-19 ter deixado de ser o único tema objecto de discussão pública.
Em termos sintéticos, a prescrição é uma causa de extinção da responsabilidade criminal em virtude do decurso do tempo. Na prática, significa que volvido um determinado período de tempo (fixado na lei) sobre a data da prática de um crime, quem o cometeu deixa de poder ser acusado, julgado ou punido.
Note-se que a prescrição da responsabilidade criminal não é comum a todos os ordenamentos jurídicos, existindo inúmeros países em que vigora a regra da imprescritibilidade. É o que sucede, nomeadamente, nos países da “Common Law”, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nos quais, como regra geral, a prescrição não é acolhida. Por outro lado, são vários os países (Espanha, Alemanha, Brasil, entre outros) em que, apesar de a prescrição ser a regra, certos crimes considerados mais graves ficam excluídos.
Desta forma, a prescrição da responsabilidade criminal não corresponde a um direito absoluto, nem constitui a única solução legal e moralmente admissível. Tal como noutros casos, a opção é, essencialmente, de índole política/legislativa. E em Portugal optou-se pela prescrição de todos os crimes.
Acresce que, ainda que se concorde – como é o meu caso – que a existência da prescrição deve constituir a regra, já não se pode concordar que a mesma sirva para beneficiar, injustificadamente, o infractor.
Concretizando, a prescrição serve para evitar que qualquer ex-Primeiro-Ministro possa ser investigado ou arguido durante um período indefinido de tempo, penalizando a falta de diligência ou a inépcia das entidades responsáveis pela investigação e/ou punição. Mas já não deve servir para permitir que um ex-Primeiro-Ministro que foi mais eficaz a encobrir os crimes que alegadamente praticou, do que a governar o país, não seja julgado.
O que nos leva à questão que, a meu ver, é a essencial: a forma de contagem do prazo de prescrição.
Designadamente, fará sentido que um crime particularmente grave possa prescrever antes mesmo de ser descoberto? Ou, noutro sentido, que os prazos de prescrição possam começar a correr antes de todos os actos relacionados com a prática do mesmo terem sido executados?
Neste particular, importa deixar claro que a decisão proferida pelo Juiz Ivo Rosa, sendo, obviamente, da autoria deste, foi-lhe “imposta” pelo Tribunal Constitucional, que, contrariando o Supremo Tribunal de Justiça, adoptou o entendimento que a prescrição dos crimes de corrupção começa a correr na data do acordo corruptivo, e não na data do último pagamento efectuado pelo corruptor.
Assim, para o Tribunal Constitucional, desde que o acordo seja devidamente mantido em segredo e as “prestações” acordadas apenas comecem a ser pagas após o prazo de prescrição, tal pagamento até pode ser efectuado em directo na televisão, na presença da comunicação social e/ou nas “barbas” das autoridades policiais. Ninguém pode/deve ser punido…
Ou seja, por intermédio deste premonitório e inovador Acórdão proferido no ano de 2019, que foi “construído” por um Juiz que foi deputado pelo PS, secundado por um Juiz que foi Director dos Serviços Secretos num governo socialista, e que me mereceu a “censura” de uma Juíza do colectivo, bem como da generalidade da comunidade jurídica, o Tribunal Constitucional veio, no fundo, despenalizar a corrupção efectuada através de “pagamentos em prestações.”
Ora, são decisões como estas, desprovidas de qualquer lógica ou racionalidade, contrárias ao senso comum e proferidas por um Tribunal de nomeação política, que retiram credibilidade à Justiça e afastam os cidadãos da mesma.
Mas ainda há quem prefira dizer/acreditar que a culpa é do instituto da prescrição, do Legislador, dos Advogados, ou até dos próprios Arguidos…