Governo é o maior responsável pelo fracasso da resposta do Brasil
O Governo central do Brasil é o maior responsável pelo fracasso ao combate à pandemia de covid-19, concluiu um estudo assinado por 10 cientistas do Brasil e dos Estados Unidos da América publicado na revista Science.
O estudo chamado "Padrão espaço-temporal de propagação da covid-19 no Brasil", liderado pela demógrafa Márcia Castro, professora da Universidade de Harvard, ressaltou que se esperava que o sistema de saúde do Brasil colocasse o país numa boa posição para mitigar a pandemia.
No entanto, isto não aconteceu porque "a resposta [do Governo] federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências [científicas de sua eficiência]".
"Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e horários de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos", acrescentou.
Os cientistas responsáveis pelo artigo usaram dados diários sobre casos notificados e óbitos para compreender, medir e comparar o padrão espaço-temporal da distribuição da doença entre os municípios do país, entre fevereiro e outubro de 2020.
Segundo os investigadores, "embora nenhuma narrativa única explique a diversidade na disseminação, uma falha geral de implementação imediata, coordenada e respostas equitativas num contexto de fortes desigualdades locais alimentaram a propagação da doença" no Brasil.
Os autores do artigo identificaram cinco problemas centrais que explicam a rápida disseminação da covid-19 no Brasil.
O primeiro é o facto de o Brasil ser territorialmente muito grande e desigual, com disparidades em quantidade e qualidade de recursos de saúde e de rendimentos da população.
O segundo problema é a densa rede urbana que conecta os municípios por meio de transporte, serviços e negócios que não foi totalmente interrompida durante os picos de casos ou mortes provocadas pela covid-19.
O terceiro elemento encontrado foi o alinhamento político entre governadores e o Presidente do Brasil, Jair Boslonaro, que sempre foi contra medidas de distanciamento social e, segundo os autores do artigo publicado pela Science, isto "teve um papel no momento e na intensidade das medidas de distanciamento".
"A polarização politizou a pandemia com consequências para a adesão às ações de controlo [da doença]", acrescentaram.
Em quarto lugar, há o diagnóstico de que o SARS-CoV-2 circulava sem ser detetado no Brasil mais de um mês antes da confirmação do primeiro caso da doença, o que seria resultado da falta de uma vigilância genómica bem estruturada no país.
O quinto elemento diz respeito às medidas de distanciamento social impostas nas cidades e estados, que foram relaxadas em diferentes momentos, com base em critérios distintos, e, portanto, facilitaram a propagação da doença.
"Em tal cenário, respostas imediatas e equitativas, coordenadas em nível federal são imperativas para evitar a propagação rápida do vírus e disparidades nos resultados", frisaram.
"No entanto, a resposta à covid-19 no Brasil não foi imediata nem justa. Ainda não é. O Brasil vive atualmente o pior momento da pandemia, com um número recorde de casos e mortes, e perto do colapso do sistema hospitalar", acrescentaram.
Lembrando a mortalidade descontrolada e o colapso do sistema de saúde em Manaus, capital regional do estado brasileiro do Amazonas, que teve pacientes mortos por falta de oxigénio em hospitais, o artigo concluiu projetando que sem uma ação imediata, Manaus será uma antecipação do que ainda está para acontecer em outras localidades do Brasil.
"Sem contenção imediata, medidas de vigilância epidemiológica e genómica coordenadas e um esforço para vacinar o maior número de pessoas no menor tempo possível, a propagação de P.1 [estirpe brasileira originada em Manaus] provavelmente se parecerá com os padrões aqui demonstrados, levando a perdas inimagináveis de vidas", destacou a publicação.
"O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitará o surgimento de novas estirpes, isolará o Brasil como uma ameaça à segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente evitável", alertou.
O Brasil é o segundo país com mais mortes por covid-19 (361.884), depois dos Estados Unidos da América, e o terceiro em número de infetados (13.673.507), depois dos EUA e da Índia.
A pandemia de covid-19 fez pelo menos 2.974.651 mortos em todo o mundo. No total, mais de 138.213.350 infeções foram oficialmente diagnosticadas desde o princípio da crise sanitária.