Sócrates: apenas uma fase processual
Só no final do processo se perceberá melhor quem poderá ter andado mal e, com isso, prestado um mau serviço à Justiça e ao País
A decisão instrutória proferida no processo que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates encerra uma fase processual facultativa que visa essencialmente “a comprovação judicial” da decisão do Ministério Público “de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito” e impõe algumas notas que me parecem particularmente importantes: Primeiro, não temos conhecimento preciso do processo, pelo que, nesta parte, qualquer comentário público específico será insensato e apenas alimentado por vaidades ocas. A Justiça não precisa desse espetáculo. E o processo penal não pode ser uma sucessão de julgamentos públicos sumários até ao esvaziamento total do verdadeiro julgamento final. Segundo, a decisão instrutória confirmou a acusação do Ministério Público relativamente a parte dos crimes de que vinha acusado o antigo primeiro-ministro socialista que, assim, vai a julgamento. Terceiro, o Juiz Ivo Rosa deixou cair os restantes crimes. Quarto, a decisão, nesta parte da “não pronúncia”, é suscetível de recurso para o Tribunal da Relação, pelo que não é, neste momento, definitiva, tendo já o Ministério Público anunciado o recurso. Quinto, não houve ainda julgamento, o que significa que o antigo primeiro-ministro não foi condenado, mas também não foi absolvido, como tenta fazer crer. Do mesmo modo que José Sócrates não estava condenado aquando da sua detenção no aeroporto de Lisboa, ou da sua prisão preventiva ou da acusação, também não se encontra agora absolvido. O processo prossegue. Sexto, face à intervenção na fase instrutória, a lei não permite que o Juiz Ivo Rosa assegure o julgamento final que pode ocorrer em dois momentos, caso o Tribunal da Relação altere a decisão instrutória. Para além destas notas, a decisão instrutória merece algumas reflexões: Primeiro relativamente ao tempo da Justiça e à dificuldade em tramitar megaprocessos com esta complexidade. Segundo, a desresponsabilização por questões formais, como a prescrição. Preocupante quando a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal. E sabemos que o tempo que o processo terá pela frente só agravará essa preocupação. Terceiro, a necessidade de investir na Justiça e de reforçar os meios do Ministério Público. Quarto, a forma como a decisão instrutória põe em causa a Justiça e se transforma numa Sentença de condenação do Ministério Público. Quanto a isto, creio que só no final do processo se perceberá melhor quem poderá ter andado mal e, com isso, prestado um mau serviço à Justiça e ao País.