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O Chega como seguro de vida

Bigamia ideológica ou pragmatismo político? valerá tudo ou quase para deter o poder

Miguel Albuquerque está disposto a dar ao Chega – diversas declarações públicas provam-no - o estatuto que António Costa concedeu ao PCP e ao Bloco de Esquerda quando, em 2015, arrumou de vez com a ideia de que a esquerda unida não conseguiria governar Portugal. Até então, as soluções governativas tinham sido apenas de direita, se excluirmos o breve período do Bloco Central de Mário Soares e Mota Pinto, na já longínqua década de 80 do século passado.

Não foi à toa que Miguel Albuquerque ressuscitou recentemente o fantasma do ‘perigo comunista’, colocando uma série de mensagens no Facebook a criticar ferozmente o partido, por ocasião do seu 100.º aniversário, apesar de na Madeira o PCP ter uma expressão eleitoral residual. O mote estava dado.

O presidente do PSD-M tem transmitido todos os sinais para uma previsível aliança nas próximas eleições regionais, em 2023. E o balão de ensaio pode acontecer já este ano, na corrida à Câmara do Funchal. Albuquerque não disse com todas as letras, mas já deixou transparecer nas entrelinhas, que vai aliar-se ao partido conotado com a extrema-direita portuguesa, caso isso lhe permita manter ou conquistar poder. Todas as sondagens revelam que o Chega é a estrela ascendente da política portuguesa, gostemos disso ou não. No estudo de opinião da Eurosondagem para o DIÁRIO sobre as eleições para a CMF, Pedro Calado e Miguel Gouveia surgem empatados. O Chega, mesmo sem candidato conhecido, alcança o honroso terceiro lugar nas intenções de voto. Isso é revelador do potencial e da vantagem que o partido leva sobre os outros, que têm mais anos de estrada. Pouco importa a Albuquerque as ideias mais radicais propaladas por André Ventura ou os ziguezagues permanentes sobre temas fracturantes. Ele encontrará pontos de entendimento que preservem o seu conceito de democracia e que viabilizem um acordo. Aliar-se-á ao Chega mesmo que não concorde com a prisão perpétua, com a castração química de pedófilos ou com as acusações à comunidade cigana. Bigamia ideológica ou pragmatismo político? Se essa for a chave para manter o poder, fá-lo-á. Valerá tudo ou quase, até rasgar as bases programáticas do partido fundado por Sá Carneiro e entrar numa deriva populista.

O CDS, que vale cada vez menos junto do eleitorado, e está a braços com uma contestação interna que vai aumentar impiedosamente de amplitude, agarra-se ao pilar da governação, num movimento quase suicida. O partido que combateu ferozmente o jardinismo durante quatro décadas vai ser ultrapassado pelo Chega. Aceitará uma diluição no PSD-M? É a sua própria sobrevivência que está em causa. Os resultados das próximas eleições podem ditar-lhe uma longa agonia.

P.S.: Já tudo se disse e escreveu sobre a figura de Jorge Coelho, desaparecido de forma repentina na passada quarta-feira. Para além da sua grande afabilidade e simpatia, recordo-me, numa daquelas entrevistas longas feitas aos novos ministros, de ele referir que andava a ouvir um cd dos Modern Talking, uma banda pop alemã que fez furor nos anos 80. Confesso que nunca me esqueci dessa passagem e sempre que me cruzava com Jorge Coelho lembrava-me também daquela dupla de intérpretes que cantava em inglês. Numa época em que os da sua geração elegeriam, por todos os motivos, mas sobretudo para parecer bem, os Pink Floyd, Beatles, Sinatra, Cohen ou um dos grandes compositores clássicos, Jorge Coelho seleccionou o que mais gostava de ouvir naquele momento, sem qualquer receio das bocas que pudessem florescer devido ao seu gosto musical ‘pouco refinado’. Aquele episódio, pequenino, só demonstra o quão genuíno era o ex-homem forte do PS, que sempre foi fiel às suas origens rurais e que fica para história por ter assumido a responsabilidade política pela queda da ponte de Entre-os-Rios. Tão-só, porque a culpa não podia morrer solteira.