Crónicas

O confinamento

As doenças ou a ideia de que podemos estar doentes não são oportunidades, são uma coisa má, que nos troca as voltas.

Eu não sabia como era até me ter transformado em contacto de risco de um caso positivo. E, com essa etiqueta, tive guia de confinamento, com direito a dois testes e uma semana a sentir o sol na varanda e a ver o mundo pela televisão. Andei da sala para a cozinha, com desviono sofá que foi, de facto, o lugar onde passei os dias. Vi umas séries, uns filmes, vi notícias, acabei de ler um livro e comecei outro e ainda tentei seguir umas aulas de ginástica online.

Segui a cartilha dos confinados e passei pelas fases todas, fui do “isto até se passa bem” até “estes tipos da saúde vão deixar-me presa em casa para sempre” e “quero fazer já o segundo teste”. É que depois de receber o primeiro teste negativo foi-se o medo de estar doente e de ter contagiado outras pessoas e, logo a seguir, aquela ideia de que é a oportunidade para descansar deixa de ter graça. E ainda mais quando se olha pela janela e vê um céu azul e tardes cheias de sol.

Eu acho que há uma lei natural qualquer que me faz isto sempre que fico doente ou não posso sair de casa. Uma lei que traz bom tempo, daquele que pede mergulhos no mar. Fiz-me forte e tentei aproveitar na varanda, mas acabei no sofá, o meu lugar de exílio. O ponto a partir do qual comecei a mal dizer a sorte e a telefonar aos amigos, já na fase de considerar os tipos da saúde como pessoas muito zelosas. Então não se fazia isto mais depressa, não me arranjavam um teste mais cedo.

E, sem perceber bem como, senti a falta do stress do trabalho, do marca entrevistas, faz reportagens e entrega tudo em cima do noticiário. Ou de ir aos sábados tratar da tia que, nos intervalos em que me considera uma desconhecida, sorri quando vê a sobrinha, a Marta. E tive saudades da casa do meu pai, do meu Tonecas e das galinhas. São a minha rotina, mas até me fez bem ver as pessoas quando fui fazer o segundo teste. Ali estavam os outros, para quem a vida continuou como antes, a entrar e a sair dos autocarros, sentados a beber café. E senti inveja dessa normalidade.

A passagem para liberdade chegou pelo telefone. E sim, vou a correr ao cabeleireiro, não quero saber se é fútil ou não, não é momento para isso. Só quero fazer o normal, ter a vida de todos os dias, sentir o sol na cara, aborrecer-me com o que corre mal, fazer uma caminhada e ficar longe por uns tempos do sofá. Não sei bem o que levo deste confinamento, não foi bom, não foi uma lição e muito menos uma oportunidade. As doenças ou a ideia de que podemos estar doentes não são oportunidades, são uma coisa má, que nos troca as voltas.

Talvez leve daqui um vislumbre do que é mesmo a Covid-19. Sou optimista, sei que, desta vez, tive sorte. Não passei de um contacto de risco, mas tudo isto seria pior se estivesse positiva, doente e isolada. Acho que percebi a razão que levava a minha mãe e as minhas tias a fazer visitas ao hospital a quem ficava doente e era da família ou pessoa conhecida. Ou como a minha prima Ana, já muito doente, tinha tanto orgulho nas visitas que recebia. Era o que lhe restava e era bom.