Cabo Delgado. Quantas mais vidas serão precisas?
O Mundo para variar acordou tarde para a tragédia que se vem verificando na província de Cabo Delgado no Norte de Moçambique. E de repente, tudo fica chocado ao mesmo tempo, como se de uma moda se tratasse. Mas esta chacina já se vem prolongando desde Outubro de 2017. Ou seja, há 3 anos e meio. Várias pessoas têm puxado o assunto para cima da mesa mas o mesmo tem sido abafado, talvez por não ser um tema sexy ou instagramável. A realidade é que o Daesh através do movimento jihadista, a Amaq tem vindo a cimentar e consolidar a sua posição nesta região, próxima da Tanzânia, à custa de massacres consecutivos, de violações de menores, da instigação do medo e da anarquia. E tem conseguido os seus intentos, mesmo que estes ameacem áreas riquíssimas a nível de recursos naturais. E não é por desconhecimento da matéria que nada tem sido feito. Desde o seu início que nos têm chegado relatos dramáticos e algumas fotografias que infelizmente ilustram muito bem o caos instalado.
E se pouco importa nesta fase encontrar culpados mas sim agir para resolver de forma célere esta situação, é necessário desmistificar alguns rumores que por aí andam lançados por gente que trata destes assuntos de forma leviana só com o propósito de ficar bem visto nas redes sociais. Para começar a comunidade internacional tem falhado e muito na forma como tem abordado o problema. Porque devíamos ter aprendido um pouco com o passado e perceber o quão perigoso pode ser deixar que estas células criminosas se instalem e proliferem, mas também porque em pleno século XXI e quando saímos à rua pelo ambiente e pelos animais também deveria ser cool fazê-lo por pessoas que sofrem o que nós nem imaginamos. Que são expulsas das suas casas e obrigadas a casar, tornando-se escravas deste movimento opressor, que decapita e degola todos os que se cruzam no seu caminho e que não se submetem às suas loucuras.
Por outro lado Portugal como sempre demorou uma eternidade a reagir. Nós que tínhamos obrigação de liderar esse processo e de chamar à atenção de todos como o fizemos em Timor deixámo-nos envolver pelas teias burocráticas dos costume, por retóricas insipientes e narrativas que culminam sempre num sacudir do capote. Parece que é preciso a situação tornar-se completamente descontrolada para ouvirmos uma palavra sobre o tema. Mas agora que reagimos ( nós aliás, os Estados Unidos e outros países ) oferecendo ajuda militar e equipas de intervenção rápida das forças especiais, Moçambique responde quase com indiferença, apontando à sua soberania enquanto Estado, dizendo que têm que ser eles próprios a resolver os seus problemas. Só aceitam militares para dar treino. E o comunidade internacional aí tem duas hipóteses, ou acata e vai à sua vidinha com a consciência tranquila ou aperta a malha e condiciona os milhares de milhões que chegam de ajuda externa todos os anos à resolução desta catástrofe. Já chega de paninhos quentes. A culpa primeira, por muito que me custe dizê-lo é de Moçambique, que não resolve nem deixa resolver.
E quanto aos que andam por aí a insinuar que só se permite esta barbárie porque são pessoas de raça negra convido-os a ir a Moçambique, mais precisamente à capital Maputo, ao dia de hoje, para verem com os seus próprios olhos o pouco destaque que é dado pelas televisões locais e a menor importância que alguns lideres com responsabilidades dão ao assunto e ao tempo que gastam a pensar nisso comparativamente com o que gastam a pavonear-se com os seus charutos e whiskys nos restaurantes e bares da cidade. A exigência tem que começar pelos que governam o País, são eles que devem dar o exemplo. E concertar com a comunidade internacional se preciso for, não é vergonha nenhuma. É um ato de inteligência e de coragem. Vergonha é o que se passa neste momento. A capital não pode ficar indiferente ao que se passa de tão grave dentro das suas próprias fronteiras e o Mundo não pode permitir esta crise humanitária. Quantas mais vidas serão precisas?