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Cuidem bem dos vossos velhinhos

A pandemia é uma lição de humildade constante, que torna a vida incerta

O longuíssimo ano de pandemia que enfrentamos já teve um mérito: recordar-nos da importância de protegermos, individual e colectivamente, os mais vulneráveis, em particular os nossos idosos. Ainda assim, passado este tempo todo, inevitavelmente uns e outros perdemos gente: alguns para a pandemia, outros para tudo o resto que a vida leva.

Se a família é história e porto privado seguro, no meu caso tem sido também motivação para o que de pública a vida tem. Algumas das escolhas que fiz, tendo o serviço público como horizonte, tiveram também a motivação privada de reaproximar-me dos meus, consciente de que, no caso concreto dos meus avós, a idade e o tempo torná-los-ia sucessivamente mais vulneráveis. Agora, depois da minha avó materna em 2020, menos de 15 dias de diferença em fevereiro foram suficientes para perder os meus avós paternos - nenhum para a COVID-19.

Uns e outros deixaram-me tanto, sob a forma de memórias e ensinamentos, que mal seria se, nestas páginas onde já elogiei e critiquei tantos, não lhes deixasse, com este registo, uma derradeira homenagem. A minha avó materna foi mãe e avó de tantos que esse resumo chega para traduzir a força de quem superou quase tudo. A minha avó paterna foi a avó que nos enche de alegria sob a forma de comida servida e que muitos tivemos a sorte de ter. O meu avô paterno “emprestado” foi um homem tão culto e inteligente que falou línguas que nunca aprendi, resolveu problemas matemáticos que nunca compreendi e fez jogadas de xadrez que nunca atingi. Talvez tenha aprendido com ele que perder, nem a feijões, e que quando se perde o normal mesmo é ficar chateado, deixando os prémios FairPlay para outros. Quando a minha avó, a sua “Jóia”, decidiu seguir-lhe o rasto, percebi que há mesmo amores e vidas assim, cujo desfecho a racionalidade e a ciência não explicam, nem compreendem.

Os meus avós foram gente comum na vida e na velhice, mas extraordinários em tudo o resto que representaram e que os caracterizou. Certo de que muito disto, no caso concreto de cada um, não diz nada à maioria que lê, há um apontamento que talvez sirva o propósito: na gestão desta pandemia, em que alguns damos o melhor que temos para oferecer, a minha geração corre o risco de, no final, sentir que falhou na protecção dos mais vulneráveis e que isso custou vidas aos mais velhos e futuro aos mais novos. A pandemia é uma lição de humildade constante, que torna a vida incerta - e tornando tão incerto o que tantas vezes demos por garantido, a começar pela saúde e pela presença, recorda-nos a importância do cuidar. De fazer o melhor possível pelos outros, todos os dias.

Partilho, por isso, um conselho, se é que me é permitido algum: durante e depois da pandemia, cuidem bem dos vossos velhinhos. Na verdade, cuidem bem de todos: dos novos e dos mais velhos, dos vossos e dos outros. Neste tempo tão difícil, é essa a responsabilidade que continuamos a carregar sobre os ombros.