Mundo

Biden de "mãos atadas" pela crescente hostilidade de Washington face à China

None

A crescente hostilidade da classe política norte-americana face à China vai "atar as mãos" do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na relação com Pequim, previu à Lusa um proeminente diplomata e autor de Singapura.

"Acho que é bastante claro que Joe Biden vai ter uma tarefa sinuosa", afirmou Kishore Mahbubani, autor do livro "A China Já Ganhou?", editado em Portugal no final do ano passado.

"Há um consenso anti-China muito forte em Washington", apontou. "Os republicanos vão destruí-lo caso ele seja brando com a China (...), mas, por outro lado, penso que ele vai ter uma química muito boa com [o Presidente chinês], Xi Jinping", acrescentou.

Investigador do Instituto de Pesquisa sobre a Ásia, na Universidade Nacional de Singapura, Mahbubani foi durante mais de 30 anos diplomata, tendo assumido a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas entre 2001 e 2002.

A relação entre a China e os Estados Unidos deteriorou-se rapidamente nos últimos dois anos, com várias disputas simultâneas, incluindo uma prolongada guerra comercial e tecnológica.

Em Pequim e em Washington, referências a uma nova Guerra Fria tornaram-se comuns.

Mahbubani considerou que a política de confrontação adotada pelo anterior governo norte-americano de Donald Trump não conseguiu conter a ascensão do país asiático.

"O resultado, após quatro anos, é uma China mais forte e uma América mais fraca", resumiu.

E, embora tenha parado com ataques retóricos e anúncios quase diários de novas sanções contra a China, a administração de Joe Biden ainda não anulou nenhuma das medidas do executivo anterior.

Mahbubani advertiu, porém, que os Estados Unidos estão a cometer "graves erros estratégicos" e a "subestimar" a China, ao avaliar o país de uma "perspetiva ideológica".

"Isto não é uma disputa entre uma democracia dinâmica nos Estados Unidos e um sistema comunista rígido na China", apontou. "Na verdade, os EUA tornaram-se uma plutocracia e a China uma meritocracia", descreveu.

O autor lembrou que o Partido Comunista Chinês "recruta para os seus quadros as melhores mentes da China", enquanto as doações privadas desvirtuaram o sistema político norte-americano, ao constituírem um "suborno legalizado", que impede a execução de reformas e retira influência ao voto popular.

Em entrevista à agência Lusa, Mahbubani notou que o Ocidente - em particular, os Estados Unidos - tem vindo a cometer "erros estratégicos" que permitiram a ascensão da China.

"A guerra no Iraque foi um presente geopolítico para a China: durante a década que a China mais cresceu, os EUA estiveram atolados a travar uma guerra completamente desnecessária", apontou.

A crise financeira de 2008, causada por hipotecas de alto risco do mercado imobiliário, constituiu outra falha de governação, a que se juntou agora a pandemia de covid-19, que causou quase 1,5 milhão de mortos nos Estados Unidos e Europa, em contraste com o leste da Ásia, onde a maioria dos países conseguiu suprimir a doença nos primeiros meses.

"O mundo está a tornar-se multicivilizacional, onde a civilização ocidental não tem mais o monopólio, seja em termos de inteligência, conhecimento ou superioridade moral", descreveu. "É um mundo muito, muito diferente".