Os Marços da minha vida
Tratemos com o mesmo respeito e consideração todas as mulheres e homens com quem nos cruzemos na vida
O mês de Março, ao longo da minha existência, sempre foi um mês diferente de todos os outros. Na minha infância, adolescência e início da fase adulta significava apenas festa e alegria. Esperava sempre com ansiedade pelo mês do meu aniversário (estava a ficar grande), o tempo começava a melhorar e a primavera trazia sempre as primeiras idas à praia. O dia da mulher era também sempre uma boa desculpa para juntarmos as amigas e fingir que aquele era o nosso dia, um dia cheio de direitos. Mas à medida que fui ficando efetivamente “maior”, a minha consciência do significado do dia da mulher evoluiu, o envelhecimento que o aniversário inevitavelmente me trás, o acontecimento trágico da morte da minha mãe nas vésperas do meu aniversário e até o confinamento geral no ano passado que aconteceu em Março, devido à pandemia, que nos privou de convivências dadas como invioláveis, vieram mudar todo o sentimento que tinha em relação a Março.
Março passou a ser assumido como um mês em que a minha vida mudou em tantos aspetos ao longo dos anos. O falecimento da minha mãe mudou completamente a minha forma de encarar a vida e os outros. Nunca deixo de dizer o quanto amo as pessoas de quem gosto, família e amigos. Deixei “partir” todos os que me faziam mal e aprendi a ignorar o que é insignificante. Valorizo o que é importante e o que me faz feliz e o que faz feliz os que me rodeiam. Hoje sei que o tempo é precioso e não há tempo a perder com o que é menor.
Com a consciencialização do que deu origem ao dia da Mulher e das persistentes desigualdades que ainda hoje existem, com maior ou menor gravidade, dependendo dos áreas profissionais, dos sectores da sociedade e dos costumes e tradições tanto cá e por esse mundo fora, deixei de considerar que este é apenas um dia de festa. Acho que ainda temos poucas razões para comemorar. Focando a realidade do nosso país, ainda admitimos e aceitamos, porque não reagimos de forma firme, que meninas não possam ir à escola ao abrigo de tradições. No nosso país ainda há uma clara diferença de remuneração entre homens e mulheres, a maternidade não é vista como uma bênção no seio laboral e as penalizações para as mulheres que decidem ter filhos continuam a ser uma realidade. A mentalidade patriarcal, machista e retrograda ainda está muito presente, sendo preservada tanto por homens como por mulheres. Encarar a mulher como uma serviçal, como um objeto, uma mercadoria, uma posse, intelectualmente ou emocionalmente inferior, e no limite agir com violência sobre esta, são todos eles exemplos de limites ultrapassados, que levam a que esta descriminação seja um flagelo na nossa sociedade e que leva à destruição de muitas mulheres e famílias.
E tudo isto leva-me a uma reflexão maior. Como é que é possível ainda termos esta discriminação tão enraizada na sociedade? As mulheres não são uma minoria. O número de mulheres é até ligeiramente superior ao dos homens. As mulheres, percentualmente, são as que mais prosseguem os estudos superiores e as que obtém as melhores médias, podendo considerarmos genericamente, que as mulheres portuguesas são instruídas. É também a força laboral das mulheres que mantém a indústria e a agricultura a funcionar. E, até há bem pouco tempo, eram commumente as mulheres que assumiam uma abordagem mais direta educação dos filhos. Então porque não conseguimos, até aos dias de hoje, alcançar um equilíbrio? Só consigo chegar à conclusão que é porque somos também nós as mulheres que compactuamos e validamos essas distinções, desde as mais subtis às mais evidentes. Enquanto distinguirmos os nossos filhos homens e mulheres, no que podem fazer e nas suas capacidades, não evoluiremos. Enquanto definirmos papéis específicos na sociedade para homens e mulheres, não evoluiremos. Enquanto repudiarmos as mulheres que querem assumir uma vida profissional e doméstica sem as usuais funções femininas, ou homens que querem fazer tarefas usualmente atribuídas às mulheres, não evoluiremos. Enquanto desprezarmos e considerarmos más profissionais as mulheres que querem ser mães, que precisam de cuidados acrescidos na sua gravidez ou que querem dedicar-se aos seus recém-nascidos o máximo de tempo possível, para depois regressarem novamente ao trabalho, não evoluiremos. Isto não é uma guerra de mulheres contra homens, é mais uma luta para que as mulheres finalmente se aceitem como equivalentes e façam por isso no seu dia-a-dia. Tratemos com o mesmo respeito e consideração todas as mulheres e homens com quem nos cruzemos na vida. Exijamos o mesmo dos outros. Mas acima de tudo, respeitem-se e apreciem as mulheres que são e que podem vir a ser.
P.S-O Supremo Tribunal de Justiça teve uma decisão histórica, que faz jurisprudência e que irá mudar todo o entendimento social do que é o trabalho domestico por um conjugue ao condenar um homem a pagar 60.782 à sua ex-companheira, pelo trabalho domestico que ela exerceu em exclusivo durante 30 anos de união de facto. O trabalho doméstico em exclusivo, deixa de ser visto como uma contribuição “espontânea de obrigação natural” para a economia comum e passa a haver o dever de ser financeiramente compensada pelo outro conjugue. Tudo irá mudar no futuro.
P.S 1- Parabéns à Doutora Sara Gomes, madeirense, que após 17 anos como bolseira em Portugal é reconhecida internacionalmente e vai liderar 150 profissionais num laboratório na Escócia, que estuda a Covid- 19.