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Digitalização traz vários desafios ao sistema tributário, alertam especialistas

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A digitalização da economia veio trazer diferentes desafios ao sistema tributário, de natureza sobretudo política, mas a máquina tributária portuguesa está bem adaptada aos novos tempos, afirmam especialistas em direito fiscal.

"A digitalização da economia é um desenvolvimento económico que tem impactos enormíssimos em todas as áreas do sistema tributário, tanto ao nível legislativo, como ao nível da aplicação da lei e do controlo dos pagamentos", afirma à agência Lusa a professora de direito fiscal na Universidade de Leeds, Rita de la Féria.

Para a especialista, se na área dos impostos sobre o consumo o problema já não é tão grave como há seis ou sete anos, em que todas as vendas digitais "estavam a entrar num buraco negro", nos impostos sobre o rendimento coletivo e individual ainda se está "muito mais no escuro".

As ideias em torno de um imposto digital, taxando os lucros das grandes empresas digitais, acabam por não resolver o problema e não lidar "com as questões de fundo", defende.

Em termos ideais, vinca Rita de la Féria, dever-se-ia considerar que quando alguém vai ao Facebook ou ao Twitter está a pagar pelo serviço com os seus próprios dados.

"Podíamos dizer que há uma transação para efeitos de impostos sobre o consumo e dizer que a venda de dados conta como um pagamento não monetário", explica.

Ao mesmo tempo deveria, no seu entender, ser encetada uma segunda reforma - "muito mais difícil" - de âmbito internacional, para responder às mudanças que a digitalização trouxe, garantindo a tributação dos lucros no país onde o consumidor está.

"Quando o sistema fiscal internacional foi instaurado, nos anos 20, os consumidores estavam no mesmo sítio que as lojas. Com a economia digital e a globalização o que vemos é que os consumidores não estão no mesmo país. Qual a legitimidade que os Estados Unidos têm de tributar o Facebook quando os lucros são feitos através de venda de dados de consumidores portugueses?", questiona.

"Se o Facebook tem clientes em Portugal, paga em Portugal, se tem clientes na Alemanha, paga na Alemanha".

O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade considera que a digitalização "coloca ou agrava dois problemas que existem sempre num sistema tributário: deteção e aplicação".

Para o também professor universitário na Faculdade de Direito de Coimbra, a economia digital "caracteriza-se por uma enorme mobilidade", baseando-se em "ativos incorpóreos, que não têm localização física", sendo a localização das empresas "uma ficção jurídica".

Essa situação aumenta a facilidade de empresas multinacionais digitais "escolherem onde juridicamente se localizam sem que isso tenha algum reflexo verdadeiro no seu processo produtivo", nota.

Apesar de discordar de Rita de la Féria quanto à ideia de se assumir a cedência de dados dos utilizadores como um pagamento não monetário, Fernando Rocha Andrade também defende a necessidade de se tributar gigantes digitais como o Facebook ou a Google "na medida em que os consumidores de publicidade estão no país", apesar dessas empresas poderem não ter qualquer presença jurídica no território nacional.

Se por um lado a digitalização veio trazer diferentes desafios ao sistema tributário, os dois especialistas concordam que a máquina tributária portuguesa tem conseguido adaptar-se à mudança dos tempos.

"A nossa autoridade tributária é tradicionalmente eficiente na utilização dos mecanismos digitais. Da mesma maneira que a digitalização contribui para facilitar a vida para quem faz evasão fiscal ou planeamento fiscal agressivo também do outro lado vai dando instrumentos novos", nota Fernando Rocha Andrade.

Para Rita de la Féria, a forma como a autoridade tributária portuguesa tem aproveitado o uso de tecnologias e ferramentas digitais "é um exemplo para o mundo", depois de ter feito um grande avanço na sua digitalização desde o tempo da 'troika'.

"A digitalização cria desafios mas também há muitas oportunidades, principalmente no combate à fraude", frisa a docente.

A transição digital foi definida como uma das linhas de ação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), nomeadamente na vertente da transformação digi­tal das empresas e das plataformas digitais.