Memorial Milenar numa Semana

A Semana Santa, de contemplação dos dramas da longa história está a decorrer. São narrados as revelações explícitas de Deus e os sins e nãos do homem a ela celebrados. Deus diz-Se a Abraão (2000 a.C.); a Moisés (1200…a. C.), a David (1010 a.C.), aos Profetas (900-600 a.C.). Em João Baptista e Jesus Cristo realiza-se o ponto 0 da era Cristã. Cristo, Palavra do Pai, sempre proclamada desde há 2 milénios; e sempre a receber sins e nãos humanos. A Semana Santa constitui a densidade simbólica de celebração deste Memorial de mais de quatro milénios.

É significativo o facto de este ano o dia 25 de março, da celebração da Incarnação e Conceição de Jesus Cristo, quase coincidir com a pré-vigília do Domingo de Ramos. O Anúncio do Anjo e o sim da “Cheia de Graça” marcam o ponto primordial da Incarnação do Filho de Deus, do Deus-Homem, em corpo de carne humana, a crescer no seio de Maria por obra do Espírito Santo. Este Corpo permitiu-Lhe habitar e falar no meio de nós, sofrer a Paixão, Morte e Ressurreição. Permitiu ser Homem de sofrimento humano salvífico que celebramos.

A Semana Santa constitui denso memorial de toda a história da relação salvadora do amor de Deus, Uno e Trino, com a humanidade. Resume a revelação de Deus, as promessas, profecias, realização do drama da luta entre o bem, Jesus Cristo e os seus seguidores e adoradores; e o mal, o demónio e seus aliados anticristãos.

«Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho» (Heb 1,1-4). Deus revelou-Se, fez promessas aos Patriarcas, anunciou, pelos Profetas, a sua salvação e vida eterna, e confirmou as linhas de sentido pleno da vida cristã temporal e eterna.

Para cada uma destas constantes de eventos de salvação estes quatro mil anos tiveram sempre convites de aliança, sins de amor e nãos de pecados. Abraão disse sim, tal como os outros Patriarcas, Profetas (os verdadeiros), os seguidores de Jesus. Os dois sins mais significativos vieram do Filho de Deus: «Eis me aqui para fazer a vossa vontade» (Heb 10,7); «não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42) mesmo na Paixão e Morte na cruz. Outro sim mais significativo foi o de Maria: «Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim a tua Palavra» (Lc 1 38). Muitos fiéis seguidores de Jesus, apóstolos, mártires e santos destes dois mil anos deram o sim da sua vida por Cristo. Todos estes sins, intemporalmente, orquestram o coro de promessa no momento supremo em que Jesus na Última Ceia diz: «Isto é o meu corpo que vai ser entregue por vós» (Lc 22, 19); e na Cruz: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46). Infelizmente, há recusas de endurecidos infiéis e demónios anticristos. Os sins são de amor e bondade. As obras, alegrias e dores são ofertas de si e valem pelo amor; não como moeda de compra. É da vontade do Pai oferecer-se no amor com os sofrimentos evitáveis e non evitanda (a não omitir por serem inseparáveis das boas ações de obrigação); é da vontade de Deus oferecer com amor também os sofrimentos inevitáveis da vida terrena, das doenças terminais, da cruz e do morrer para ressuscitar. São os momentos cimeiros dos seguidores de Cristo visível, pelo seu Corpo de Filho de Deus incarnado, morto na Cruz e ressuscitado.

O Corpo humano permitiu a Cristo ser hospitalidade visível, dada e recebida. Corpo recebido de Maria e corpo, que acolhe e é acolhido Nele, e em nós, seus irmãos. «Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu o seu Filho» como o Hospitaleiro do Pai.

Na sua vida e Paixão é o Hospitaleiro do Perdão, da Misericórdia e do Silêncio acolhedores. Perdão à adúltera, perdão à pecadora que Lhe lava os pés, perdão a Pedro, perdão ao ladrão e a todos os pecadores nas últimas palavras: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o [todo o mal] que fazem» (Lc23, 34) O Hospitaleiro do Silêncio, diante da adúltera, de Caifás, Herodes, da multidão subjugada, de Pilatos, na Cruz e no Túmulo. Os silêncios mais eloquentes de todos os tempos! Jesus da hospitalidade recebida em Betânia, na Via Sacra, da Mãe, do Cireneu, da Verónica, das mulheres, de Maria Junto à Cruz, de João Evangelista, do Centurião, de José de Arimateia, de Madalena e companheiras, junto ao Túmulo. Semana de todos confessarem: «na verdade este é o Filho de Deus», e dizer a Jesus ressuscitado: «Fica connosco, Senhor» (Lc24, 29) e serão Boas Festas da Páscoa para todos!

Aires Gameiro