Atendimento à distância dificultou respostas às vítimas de violência de género
Investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) concluíram que as denúncias de violência de género no Porto diminuíram durante o primeiro confinamento e que o atendimento à distância trouxe "dificuldades acrescidas" nas respostas.
Em comunicado, o instituto da Universidade do Porto revela hoje os resultados preliminares do estudo, intitulado 'Impacto do SARS-CoV-2 nos determinantes sociais da violência de género: propostas de ação e intervenção', financiado no âmbito da linha de apoio GENDER RESEARCH 4 COVID-19 da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
O estudo, que visava "caracterizar as situações de violência de género das mulheres residentes na cidade do Porto", teve por base a perceção de dois grupos específicos: profissionais de instituições de segurança pública, Ministério Público e Juntas de Freguesia, e especialistas científicos e académicos.
Através de entrevistas, os investigadores exploraram a perceção destes grupos sobre o impacto da pandemia nas vivências de violência de género, os desafios que passaram durante o primeiro confinamento, a avaliação das medidas e políticas públicas, bem como as estratégias de ação que achavam ser fundamentais implementar.
"A partir das entrevistas realizadas aos especialistas, constatou-se haver uma diminuição de denúncias durante o primeiro confinamento", revela o instituto, acrescentando que tal não significa menos ocorrências, "mas sim um menor contacto com as autoridades".
"A violência parece ter-se mantido durante a situação pandémica, apesar de se ter sentido uma diminuição do número de denúncias. Terá provavelmente sofrido grandes alterações, nomeadamente na forma como foi perpetuada, tanto na frequência, como na severidade da sua perpetuação", afirma, citada no comunicado, Joana Topa, uma das investigadoras envolvidas no projeto.
No decorrer das entrevistas, os profissionais de apoio social referiram que o distanciamento social e o atendimento à distância implicaram "dificuldades acrescidas" na resposta aos pedidos de ajuda das vítimas de violência.
A "falta de supervisão especializada" e "algumas dificuldades no trabalho em rede, devido ao encerramento de serviços, como por exemplo as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ)" foram outras das questões destacadas pelos profissionais.
Apesar do reconhecimento da "celeridade da resposta estatal" quanto a medidas de apoio e resposta à situação, tanto profissionais como especialistas afirmaram ser necessária "uma avaliação" das mesmas e o "planeamento na delineação de estratégias de combate à violência durante futuras situações de crise".
Também citado no comunicado, José Peixoto Caldas, investigador do ISPUP afirma que uma das mais-valias do projeto passa por usar o conhecimento adquirido para realizar "cursos de especialização na área da violência" dirigidos a funcionários públicos que, durante as entrevistas, revelaram "falta de formação adequada como um dos principais entraves a um melhor acompanhamento das vítimas".
Segundo o investigador, o objetivo destes cursos seria "formar quadros do Estado, nos seus determinados setores -- sanitário, jurídico e de segurança social -- com o intuito de empoderar estes técnicos a estarem alerta e sensibilizados".
No âmbito do estudo, vão ser ainda elaborados relatórios com os resultados finais e preparado um documento informativo direcionado aos profissionais sociais e de saúde "que estão frequentemente em contacto com vítimas de violência de género e carecem de informação acerca das formas de procedimento adequadas em resposta a estes casos".
No projeto, um dos 16 financiados pela FCT, além de investigadores do ISPUP participaram também especialistas da Universidade de Vigo, do Instituto Universitário da Maia (ISMAI), da Escola Nacional de Saúde Pública e da Universidade Rey Juan Carlos de Madrid.