Vacinas
n O ano de 2021 será o ano da grande esperança. Começou a vacinação contra a covid-19, a terrível pandemia que alterou a rotina de todos nós e que pela primeira vez na História fez parar o mundo. A vacina é a companheira que nos acompanha desde o berço. Os mais velhos devem lembrar- se das filas das crianças da escola, esperando que com uma espécie de caneta bifurcada, o médico ou a enfermeira viesse fazer-nos uma incisão no braço, que se transformava numa pequena erupção e nos deixava uma marca para toda a vida. Esse pequeno gesto livrava-nos da terrível varíola, doença que causou a morte de milhões de pessoas ou, se não provocava a morte, deixava-as com fortes marcas na cara ou cegas. Segundo a OMS, o vírus matava 400 mil pessoas por ano na Europa, no século XVIII e cegava um terço dos infetados.
Historicamente as doenças infeciosas foram responsáveis pelos maiores níveis de mortalidade conhecidos. Por isso, desde há mil anos que a civilização humana tenta encontrar soluções não apenas para as combater, mas sobretudo, para as prevenir. O historiador britânico Joseph Needham refere que as primeiras práticas de inoculação para a varíola teriam começado na China no século X. Os chineses descobriram que, inoculando o vírus numa pessoa saudável, esta poderia ficar protegida da doença. A prática, conhecida por variolação, aparece documentada na China no século XV, e nos 200 anos seguintes surgem relatos do uso da inalação de material de varíola em pó com o mesmo objetivo. Depois da China, o método da variolação chegou à Índia, Império Otomano, Europa e América do Norte. Foi largamente utilizado até virem a público as investigações do médico Edward Jenner, publicadas em 1798. Dez anos antes, Jenner, um médico rural, observou que as vacas tinham nas tetas feridas iguais às provocadas pela varíola humana. Esses animais desenvolviam a varíola bovina ou varíola vaccinia, quer dizer de vaca, uma forma leve da doença. Verificou igualmente que as camponesas que ordenhavam as vacas apanhavam essa varíola nas mãos, mas não contraíam a varíola humana. Em 1796, resolve testar o ditado popular que dizia: quem lida com gado não apanha varíola. Para isso, injetou, em pequenos arranhões feitos por ele nos braços das pessoas, o pus das feridas das pessoas infetadas pela varíola vaccinia. Experimentou com um garoto de oito anos a quem inoculou pus das bolhas das mãos de uma leiteira. O pintor francês Gaston Mélingue (!839-1914) retratou a cena num quadro que pintou em 1879, que se encontra exposto em Paris, na Biblioteca da Academia Nacional de Medicina. Mélingue retrata o garoto sentado numa poltrona com o pai ao lado que o abraça, a mãe do menino e um casal que observa o trabalho do médico. Ao lado, vê-se a leiteira junto do balde do leite, enrolando a mão com um pano para proteger o ferimento causado pela retirada do fluido das bolhas que tinha e que estava sendo inoculado no braço do garoto. Estava descoberta a propriedade de imunização. As experiências de Jenner eram realizadas de forma empírica. O cientista francês, Louis Pasteur, vai ser o primeiro a criar uma vacina com métodos científicos. Aplica-se a descobrir uma vacina capaz de vencer a raiva, uma doença fatal, transmissível aos humanos através da mordedura de um cão raivoso ou de outro mamífero infetado. Em 1885, aplicou-a pela primeira vez a um rapaz de 9 anos Joseph Meister, que havia sido mordido por um cão raivoso, inoculando-lhe uma preparação com vírus cada vez menos atenuados, durante 13 dias e o rapaz ficou curado. E mais um terrível flagelo foi eliminado. Esta descoberta valeu a Pasteur a atribuição do título de Benfeitor da Humanidade. Ainda não havia o prémio Nobel. Até ao final do século XVIII, os medicamentos que existiam eram curativos, mas Edward Jenner foi o primeiro a descobrir um medicamento que não tinha por objetivo curar, mas sim prevenir. Por isso, Pasteur propôs que a esse medicamento se desse o nome de vacina para homenagear o trabalho pioneiro de Edward Jenner. Com efeito, vacina deriva da palavra vaccinia, o nome em latim do vírus que provoca a varíola das vacas. Assim se abriu uma nova etapa na história dos medicamentos. Medicamentos que previnem, isto é, que evitam a doença. E assim se abriu também uma nova etapa na história dos medicamentos e na salvação de milhões de pessoas que estariam condenadas a uma morte prematura, se não fosse existência de vacinas.
Recordemos as doenças infeciosas que foram controladas pela vacinação: varíola, difteria, tétano, tosse convulsa, tuberculose, poliomielite, gripe, febre-amarela, peste. E que possamos, pelo esforço imenso de muitos, acrescentar a Covid-19.
Cecília Rezende