Crónicas

O bom, o mau e as matrioskas

Nos ensaios clínicos das vacinas disponíveis não houve qualquer registo de morte por COVID-19

O bom: Mapping Madeira

Os mapas. Neles, há qualquer coisa de desafio, de caminho abstrato para a imaginação concreta, como escreveu Pessoa. Nos mapas que se desdobram em grandes lençóis de papel, nos que descansam emoldurados em paredes de escritório ou nos que se minimizam em pequenos telemóveis. Em todos eles, há um convite aos lugares onde não fomos e ao regresso aos que já visitámos. Nesse sentido, um mapa também é memória. Lembrança dos caminhos do passado, do esforço de quem os rasgou e da necessidade que a isso forçou. É essa história - a nossa história - que nos conta a equipa do Mapping Madeira. Um grupo de entusiastas da montanha, liderado pelo Tiago Aires, que iniciou o levantamento cartográfico de várias zonas da Madeira e que lhe juntou informação histórica. Para já estão disponíveis dois percursos e outros quatro estão a caminho, todos eles em São Vicente. Nas Cascatas da Porca, ficará a saber para que servia a pedra do descanso. No Lombo das Paredes, terá indicação sobre os quatro miradouros que antecedem o topo e sobre o fio de lenha que o ajudará na descida. A cada vídeo, a cada fotografia ficamos com a sensação que não conhecemos a ilha onde vivemos. E com a certeza de que a nossa história precisa de quem cuide dela. De quem se lembre dos caminhos que a vegetação escondeu, dos nomes que o tempo perdeu, do passado que o presente esqueceu. É por isso que o Mapping Madeira é tão especial. Porque mais do que um conjunto de mapas, é a nossa memória coletiva registada. E esse trabalho de equipa, feito por carolice, merece apoio e reconhecimento público. Antes que a memória se perca de vez.

O mau: A Europa e as vacinas

Para a velha Europa, as vacinas contra a COVID-19 eram favas contadas. Um passaporte garantido para a imunidade de grupo europeia. Mas os europeus esqueceram-se que o mundo, há muito, deixou de encontrar equilíbrio em Bruxelas. Aliás, a história das vacinas é apenas mais um capítulo no livro da crescente irrelevância europeia. O maior produtor mundial de vacinas tem sede na Índia. O ritmo de vacinação é superior na Sérvia, em Marrocos e no Chile, do que em muitos países europeus. Mas se quiséssemos encontrar o cúmulo da incompetência europeia em matéria de vacinação, bastaria olhar para o que aconteceu com a vacina da AstraZeneca. Primeiro, era apenas um problema de idade, depois, passou a ser do lote, até que, à custa da precaução, a vacina foi suspensa. Da segurança à suspensão e de volta à segurança, bastaram cinco dias. O problema não é a mudança de opinião, é a falta de explicação para o ziguezague. Por duas razões. Porque desacredita a ideia de que o bloco europeu nos torna mais seguros e mais capazes. Especialmente face ao ritmo de vacinação no recém-divorciado Reino Unido e às negociações unilaterais por vacinas dentro da União Europeia. E porque dá corpo à ideia perigosa de que há vacinas melhores do que outras. De forma simples, não há. Nem sequer comparando as tentadoras taxas de eficácia de cada uma. O objetivo da vacina não é acabar com o vírus, mas impedir a hospitalização em massa e, em última linha, a morte. Se olharmos para essa medida, todas as vacinas são 100% eficazes. Nos ensaios clínicos das vacinas disponíveis não houve qualquer registo de morte por COVID-19. Na verdade, essa é a única eficácia que interessa. Por isso, a melhor vacina que existe é a que lhe for dada.

As matrioskas: Os grupos de trabalho e o Governo

Crescei e multiplicai-vos, poderia ter sido o mote do governo de António Costa. Afinal, este é o maior executivo da história da democracia portuguesa, tendo sucedido, por ironia, ao mais pequeno. Mas se a dimensão impressiona, a capacidade de multiplicação perturba. O governo criou um sub-governo para controlar os gastos com os fundos europeus. O sub-governo reporta a uma estrutura de missão que, por sua vez, será acompanhada por uma comissão independente. Confuso? Respire fundo porque acabámos de começar. Este mês, o Governo criou um grupo de trabalho para reformular a Escola Nacional de Bombeiros. Em Fevereiro, criou outro grupo para avaliar o serviço postal universal. Em Janeiro, mais um grupo para combater o racismo e a discriminação. Em Dezembro, um grupo de trabalho para estudar o impacto da venda de barragens da EDP. E de Novembro até Agosto, ainda houve engenho para inventar um grupo de trabalho para reanimar as termas e outro para analisar o tráfego aéreo na Portela. Mas porquê ficar por um grupo de trabalho quando podemos ter uma task force? É moderno, soa a digital e ninguém sabe muito bem o que é. Só em Março nasceram duas. Uma task force para ajudar na comunicação com a população e outra para planear os testes em massa. Esta última demorou 43 dias a constituir e reuniu, pela primeira vez, a semana passada. Objetivo cumprido. Tal como as matrioskas, os grupos de trabalho escondem task forces, que revelam estratégias integradas, que publicam relatórios independentes, cuja conclusão é a necessidade de criação de um novo grupo de trabalho. Por cá, a governação reduziu-se à arte de não decidir, criando a ilusão que se fez muita coisa. Pensando bem, aí está uma boa razão para criar mais um grupo de trabalho.