Crónicas

Seguir em frente

Dizem que a única forma de seguirmos em frente e viver novas histórias é conseguirmos fechar ciclos e desapegarmo-nos do que achávamos estar determinado. Muitos portugueses têm à sua espera meses absolutamente angustiantes. As moratórias estão a terminar, os apoios também devem andar pelo mesmo caminho e é hora de empresas e cidadãos prestarem contas. A verdade é que começam a surgir cada vez mais notícias de despedimentos coletivos, de cortes nos salários ou do encerramento de sociedades. O que irá deixar muito boa gente que tinha a sua vida aparentemente estável e carreiras longas, muitas delas entregues (com elevada dedicação) sempre à mesma entidade patronal, à beira de um ataque de nervos. Não é para menos. Existe uma planificação familiar e pessoal que em muitos casos inclui prestações e créditos que ficarão entregues à sua própria sorte mas também um equilíbrio mental e emocional que o trabalho nos dá. E a auto-estima não se compra.

É por isso fundamental que as pessoas tenham consciência do que nos vai acontecer. E sem querer estar aqui a encontrar bodes expiatórios ou culpados (porque cada caso é um caso e existem todo o tipo de situações) o que é facto é que vamos ter de arranjar forma de sair dessa situação. Se toda essa gente se for abaixo e tivermos um cenário de depressão generalizado podemos estar a caminho de um problema social de enormes proporções. Por isso só há duas formas de sair. Uma é parar. Fecharmo-nos na nossa própria bolha, desistir e deixar que o tempo corra sem expectativas, sem sonhos, sem ilusões ou algo que nos consiga motivar. A outra é seguir em frente. Saber sofrer (porque muitos de nós vão sofrer, nem vale a pena dizer o contrário) mas encontrar na nossa família, nos nossos amigos e no nosso próprio orgulho uma força para vermos uma janela de oportunidade onde se fechou a porta.

Recordo-me bem do que aconteceu a pessoas bem próximas na crise de 2008. O quanto tinham e o que perderam. As desvalorizações, a oscilação do mercado e o que mudou. As dificuldades que passaram e o buraco em que se viram metidos. Grande parte deles que por essa altura não viam solução alguma estão hoje (ou pelo menos à data do inicio da pandemia) tão bem ou melhor do que estavam quando essa crise começou. Não sei onde foram buscar a motivação, a energia e a capacidade para se reinventarem mas a verdade é que resultou. Tenho a certeza que foi à custa de muito sacrifício e alguma dose de desespero mas com uma grande abnegação de quem não podia falhar com os que deles dependiam e com as suas próprias expectativas de vida. Possivelmente acreditaram que o futuro podia existir e meteram mãos à obra. Não foi de um dia para o outro, mas aos poucos. Não recuperaram parte do que tinham mas construíram outro tanto. E tenho muito orgulho nesses que passaram tantas noites sem dormir à procura de algo que os fizesse acreditar que o amanhã teria forçosamente de ser melhor.

Sei que é bem mais fácil dizer do que fazer. Mas não me parece haver solução melhor. Olharmos para exemplos do passado, de pessoas que viveram este drama e resistiram. Seguir em frente não tem forçosamente de significar trilhar o mesmo caminho. Procurar os mesmos objectivos. Viver o que já fomos ou o que tivemos. Pode significar um ímpeto de esperança para fazer o que ainda não foi feito. Ver de um outro ângulo, enquadrar em novos formatos. Dentro de nós teremos que encontrar espaço para acreditar que o desconhecido nem sempre é pior e que nas adversidades se forjam grandes e improváveis sucessos. Para isso é preciso estarmos preparados para amparar e sermos amparados. Saber pedir ajuda e irmos em auxilio. Parar para respirar e aproveitar as novas oportunidades que a vida nos dá. Não dar tréguas à angustia e lutarmos cá dentro. Sempre com essa magia de acreditar que nada é impossível.