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Nacional e Marítimo, Quo Vadis ?

Este modelo já não tira os clubes do corredor da morte

Vamos falar de futebol para variar. A política está muito embrulhada, a economia em crise nunca vista e de finanças ninguém quer falar. De futebol falamos e percebemos todos um pouco.

Os adeptos do futebol madeirense começam a perceber que o novo tempo do seu clube é de confrangedora decadência. Os dois nossos principais clubes já não são o que eram. E ninguém os prepara para voltarem a ser.

Lembrados das grandes jornadas europeias com Juventus e Zenit, quartos lugares na Liga, finais da Taça de Portugal, etc, os adeptos têm dificuldade em aceitar que, actualmente, lutem apenas pela salvação em não cair na liga secundária. O que, recentemente e por duas vezes, aconteceu aos alvi-negros, o meu clube. E, neste momento, nenhum dos dois pode dizer estar safo dessa próxima fatalidade. Bem pelo contrário, se escaparem esta época, ou na próxima, logo depois virá o destino inadiável. É a minha convicção.

Para dar a volta é preciso muito mais do que temos agora.

E o que é que (não) temos ? O que nos tirou do topo do futebol português ?

A reestruturação do futebol em Portugal, com a criação das SAD - Sociedade Anónima Desportiva, pretendia revolucionar o futebol mas nada alterou relativamente aos clubes. E devia ter revolucionado não fora a resistência a tudo o que é evolução, acabando por deixar tudo na mesma. E minguam lentamente até à morte próxima.

As SAD pressuponham a constituição de empresas com capital e gestão suficiente para criar uma dimensão e uma dinâmica capazes de fazer sentido e rentabilizar o investimento. Os clubes ficavam com quarenta por cento e entravam investidores que arriscavam dinheiro próprio na robustez que se queria.

Era o andamento paralelo ao que se generalizava na Europa e sempre se fez nos Estados Unidos da América.

Primeiro no campeonato inglês onde, os antes clubes agora empresas, de todas as dimensões, foram comprados por investidores e/ou empresas, inglesas e estrangeiras, que detêm o capital a cem por cento. Arriscam investir no negócio do futebol fazendo-o crescer, aumentando o seu património e proporcionando lucros como uma qualquer outra empresa em um qualquer outro negócio. Os ex-“sócios” do ex-clube agora são meros adeptos, ou seja, os clientes do negócio. Naturalmente que, como em tudo, se estiverem satisfeitos compram bilhete e vão assiduamente ver a sua equipa favorita. A da sua terra onde vivem. Não são de um clube de outra cidade.

Dia de futebol é isso e apenas isso. Com muita cerveja.

A única “arma” de influência no clube que os adeptos têm é a de não comprar bilhete e não ir aos jogos, fazendo que o clube/empresa perca receitas e o lucro passe a prejuízo. O dono do clube tem toda a necessidade de motivar os seus adeptos/clientes.

Como em qualquer negócio !

Não há actividade com fim lucrativo que não seja baseada nos investidores (donos), clientes (adeptos), trabalhadores (jogadores) e gestão (os próprios donos do capital investido ou seus administradores).

É com esta mistura natural que os clubes europeus se estão consolidando, crescendo e, muitos, surpreendendo.

Chelsea (o primeiro pequeno a passar a grande com capital russo), Manchester City, Bayern Munich (o clube com mais lucro no mundo), PSG, Leicester e Leipzig (o mais recente), que se juntaram aos históricos Manchester United e Liverpool. E é ver Itália, França, Alemanha sendo que até a China entrou no negócio do futebol.

Depois é apreciar os emergentes de leste como o Shaktar Donetsk da Ucrânia e muitos outros que sem dimensão internacional tornaram-se clubes de sucesso nos seus países.

Todos cresceram em relação ao que eram antes.

Todos não, já que em Portugal e Espanha os clubes conseguiram impedir que entrassem os investidores para que tudo continuasse na mesma. Ou seja, para que os clubes continuassem a ser dos seus “presidentes” em exclusivo. Os adeptos portugueses e espanhóis sabem o nome do presidente do clube, o do treinador, os dos jogadores e nada mais. O resto é tudo segredo, secreto e desconhecido.

Donos absolutos de uma coisa que não é sua.

Não investem um único cêntimo, recebem salário chorudo ou benesses associadas ao funcionamento do clube - deve haver algum como exceção da regra - andam pela televisão e jornais, têm sempre discurso para as derrotas e por lá ficam até morrer. Ou enquanto permitirem.

Resultado, o Barcelona está em colapso, o Real Madrid já não é o que era, o Benfica é uma comédia e os campeões serão o Sporting de Lisboa e o (Sporting) de Madrid.

Porque será que ninguém sabe o nome dos presidentes dos clubes por esse mundo fora mas, dos clubes espanhóis e portugueses, é quem melhor conhecem ?

Um primeiro aspecto é que só na península ibérica é que os presidentes são os negociadores de jogadores e treinadores e até se dão à estupidez máxima de fretar um avião para ir buscar o jogador e chegar com ele ao aeroporto. Nos clubes pequenos o exibicionismo é apenas o de tirarem uma foto com aperto de mão, não vá algum sócio pensar que teve intervenção de um qualquer funcionário do clube. Fora deste quadrado ibérico a gestão desportiva, e a sua responsabilidade financeira, é unicamente do treinador ou, em alguns casos, de um director geral (manager).

Isto é, no mundo evoluído, já não há clubes de futebol mas apenas empresas que numa cidade proporcionam um espectáculo de futebol sob um emblema e um direito, de participação numa Liga, que adquiriram. E essas empresas são de americanos, árabes, russos, tailandeses, indianos, austríacos (Red Bull com um clube alemão e outro austríaco), ingleses, franceses, alemães e até brasileiros.

Tudo menos portugueses e espanhóis. Estes querem ser donos sem pôr um cêntimo. E quem lhes falar num possível investidor é logo despachado. Ainda pior será trazer um plano para os próximos anos do clube. Qualquer sugestão é recusada imediatamente. O seu poder assenta numa gestão pessoal e isolada. São capazes de ir ao Brasil ou a qualquer país africano ou do leste europeu para visionar jogadores, em vez de enviarem o técnico, mas já não perdem um minuto a fazer uma pesquisa para encontrar possíveis investidores na SAD que continua, na prática, sendo do clube.

Os treinadores deveriam procurar jogadores e os presidentes encontrar investidores e patrocinadores.

E lamentável é o número de madeirenses, adeptos do futebol, sócios com lugar cativo nos estádios dos “grandes” de Lisboa, onde vão uma ou duas vezes no ano, mas que para irem ao estádio do seu clube madeirense exigem convite.

Um dia chegaremos lá como em tudo o que temos. Haverá o tempo da distribuição equitativa dos direitos televisivos, das empresas de futebol, de quem é dono é que manda, e tudo o mais que é necessário se quisermos ser competitivos e equiparados, pelo menos, aos do nosso nível.

O que é imprescindível é investimento em jogadores que se valorizem e sejam transferidos com mais-valia. Porque sem investimento, como qualquer actividade, o futebol morre, o que ainda não aconteceu devido aos subsídios do governo regional e aos estádios por ele construídos.

Enquanto houver disponibilidade política para este esforço público.

O Nacional e o Marítimo estão a sofrer as consequências de, por cá, tudo se manter igual há 20/25 anos. Ninguém investiu, nem quem manda nem quem é mandado, o governo regional reduziu o apoio, não entram novos patrocinadores, as receitas dos jogos são quase nulas, com ou sem pandemia, e não se vislumbra saída nesta real decadência. É sempre a descer. Em queda livre em menos de cinco anos.

Sabermos quanto custou um jogador e por quanto foi transferido é pergunta de sócio demasiadamente curioso. Ninguém sabe até se o dinheiro foi recebido. É tudo mistério numa gestão fechada com o capote de instituição sem fins lucrativos. É este exactamente o maior dos perigos: não ter fins lucrativos. Se o fim exigisse lucros a história seria outra completamente diversa. E porque não ?

Este é um tempo que vai acabar. Pena que para isso seja necessário antes destruir os próprios clubes. Porque este modelo já não tira os clubes do corredor da morte. Estádios lindos, enormes que até nunca enchem a sua lotação, que ficarão tipo Coliseu de Roma, não para conhecer o heroísmo e sacrifício de muitos valentes e inocentes homens e mulheres, mas para lembrarmos quem foi capaz de gastar tanto na tenda e tão pouco no circo.

Alegria no Céu

O anterior Secretário Regional das Finanças, Rui Gonçalves, disse na Assembleia Legislativa que “toda a Madeira deve ser zona de baixa fiscalidade”. Oito anos depois de eu ter proposto exactamente o mesmo. Pena que enquanto esteve no governo não mexeu uma palha para esse objectivo. Aliás, contrariou essa ideia. É só ver o seu programa de governo.

Mas como diz o povo: há mais alegria no céu quando entra um convertido do que quando chega um devoto.

Por causa destes, e outros que tais, a Madeira não anda.