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Vamos rir para não chorar

Na verdade, o julgamento público de Miguel Albuquerque sobre este assunto já foi feito nas últimas eleições regionais

Estamos cansados de más notícias. Mas, voltar as costas ao que se passa à nossa volta é solução?

A desgraça no Brasil quase já nem nos comove. A real situação em África só Deus sabe qual é, e passou a ser normal saber que, até 3 de março, mais de 2 milhões e 540 mil pessoas morreram por COVID no mundo. O número é tão gigantesco que passou a ser apenas um número.

Por cá, ninguém sabe ao certo qual é a nossa real situação. Os números apresentados pelo Governo da República e o Governo Regional não batem certo. E como é que nós cidadãos reagimos a este assunto? Quase com indiferença. Já aqui alertei que só com dados reais se tomam as melhores decisões governativas. Alguém com responsabilidade neste assunto quebre, de uma vez, este enguiço.

Se estivermos atentos ao número de pessoas que têm de ficar em confinamento profilático e que não são testadas, muitas são famílias inteiras em que um elemento do agregado familiar está infetado, pode-se confiar nos números apresentados pelo Governo Regional? E como é que nós, cidadãos, temos reagido? Ninguém se revolta?

Curioso que deixei de ver os sem-abrigo que existiam a circular pelo Funchal antes da pandemia. O que lhes aconteceu? Nestes últimos dias, têm surgido novas pessoas a pedir na rua. Limpas, com idade ainda jovem e quando se olha nos seus olhos conseguimos ver a vergonha de estar a pedir. Consequência do desemprego?

A escalada do problema do desemprego está a levar muitos ao desespero. Assiste-se a uma tendência generalizada do salve-se quem puder e da melhor forma que puder. Mas, vamos alienar-nos do que se passa à nossa volta? Até quando vamos deixar-nos invadir pela frieza no espírito que nos enfraquece como seres humanos?

Em contrapartida a toda esta envolvente social, nos últimos tempos, tem vindo a público notícias de suspeitas de corrupção em projetos de investimento, com financiamento público, onde não se sabe onde pairam alguns milhões. E, nesta última semana, o caso mais grave, pelo cargo que ocupa, foi a notícia de investigação de suspeita de corrupção de Miguel Albuquerque sobre a venda da Quinta do Arco e da concessão da SDM ao Grupo Pestana.

As reações da população foram as mais serenas. Como se tudo isto fosse normal. Não sei se rio, ou se choro. Talvez se justifique esta reação das pessoas pelo facto de não confiarem na justiça. Talvez por termos a experiência da investigação ao ex-Primeiro Ministro José Sócrates que se arrasta há anos na justiça. E, no caso da Madeira, por termos tido o caso Cuba Livre que não deu em nada.

Na verdade, o julgamento público de Miguel Albuquerque sobre este assunto já foi feito nas últimas eleições regionais. A população não deu qualquer importância ao artigo publicado na revista Visão durante o primeiro mandato de Miguel Albuquerque sobre a riqueza de alguns políticos portugueses, o qual lhe incluía. Com os resultados eleitorais que obteve, parece que podemos concluir que grande parte da população não se interessa por estas questões. Talvez lhe saiu o Euromilhões.

A experiência de termos José Sócrates como Primeiro-Ministro deve ensinar-nos que precisamos de ser muito mais exigentes com os nossos políticos. É preciso escolher os que têm melhores capacidades pessoais e profissionais para exercerem os cargos e os que demonstram lisura no seu comportamento pessoal, profissional e familiar. E sobretudo avaliar a qualidade da coluna vertebral – se facilmente dobrável ou comprável. Gente que se vende, se dobra e verga, não veste as calças pretas necessárias para assumir lugares públicos.

À conta destas notícias, lembrei-me dos relatos dos meus familiares que estiveram, e alguns ainda estão, na Venezuela de suspeitas de corrupção no Governo de Chavez e do atual Governo de Maduro. Ao perguntar como era possível serem reeleitos quando todos desconfiavam que aqueles políticos eram corruptos e conduziam o país à miséria, respondiam-me que era comum comprar votos, oferecer cabazes de comida nos bairros mais pobres e, em vésperas de eleições, era um regabofe de ofertas e de visitas aos locais e de obras feitas à pressa (que depois davam problemas).

Por vezes, a resposta imediata aos problemas só nos traz problemas ainda maiores no futuro. O desespero das nossas vidas não pode conduzir-nos à alienação de tudo o que se passa à nossa volta. É preciso aguentar mesmo que o sofrimento esteja a consumir as nossas entranhas. E o nosso poder como cidadãos está no nosso voto.