Artigos

Ginjas…uma falsa questão!

Começo pelo título desta minha reflexão, a tão falada estrada das Ginjas. Uma não questão ou melhor dizendo uma falsa questão. E porquê? Recuei ao passado e registei alguns factos!

Durante longos anos a população do Concelho de S. Vicente utilizava um acesso empedrado construído no sítio das Ginjas e que ligava o norte ao sul da Ilha da Madeira, era o caminho que permitia chegar ao outro lado da floresta, podiam encontrar, outras realidades. Percorriam a pé, com muito esforço e sofrimento mas cheios de esperança. Muitos anos mais tarde, já nos anos 60-70 do séc.XX, o Eng. Silvicultor Campos Andrada - o primeiro proponente da criação do Parque Natural da Madeira - percebeu os anseios dos locais daquela localidade e cito uma pequena frase que consta do seu relatório acerca dos trabalhos da Circunscrição Florestal entre 1952 e 1975 - “ Isto para se evitar o sacrifício constante…”. Assim com os meios que geria teve a iniciativa de abrir uma estrada na densa floresta nativa desde as Ginjas até aos Estanquinhos, passando pela Casa do Caramujo, desbravando uma faixa para concretizar um dos caminhos florestais que preconizou realizar. Por vários fatores, incluindo o de não ter verbas para finalizar a referida obra, pois a república nessa época não reforçou as verbas no orçamento previsto para a Circunscrição Florestal do Funchal e assim não conseguiu efetuar a pavimentação, a estrada das Ginjas ficou em terra até à atualidade.

Tendo em conta o descrito - na minha perspetiva e estando em democracia - falar da abertura da estrada no ano 2021 é uma não questão. Porquê? Voltamos aos factos: 1. desde os anos do povoamento, grandes áreas de floresta nativa foram desbravadas para garantir a sobrevivência dos nossos antepassados ao longo dos séculos - para construir edifícios, poios para a agricultura, caminhos reais, estradas regionais, estradas nacionais - para que nós cidadãos do séc. XXI (locais e turistas) tenhamos qualidade de vida, possamos contemplar as belas paisagens desta ilha e usufruirmos do que a Natureza nos proporciona; 2. Na década de 80 do séc. XX foi legislado um importante instrumento para a preservação da Floresta Indígena da Madeira - o Parque Natural da Madeira mesmo com a estrada das Ginjas aberta e em terra; 3. Em 1999 ano em que a nossa bela Floresta Laurissilva foi integrada na lista dos tesouros naturais da humanidade, a referida estrada permanecia aberta, em terra e mesmo assim a UNESCO declarou a nossa Floresta Indígena a Património Natural Mundial para orgulhoso de todos os madeirenses; 4. ao longo dos tempos muitas outras estradas foram asfaltadas para bem da nossa qualidade de vida, vias que atravessaram a Floresta Nativa sem que nós cidadãos do séc. XXI coloquemos a pequena hipótese de voltarmos a percorrer as veredas antigas em terra e empedradas pois a nossa sobrevivência e qualidade de vida poderia estar comprometida como viajar, escoar os produtos agrícolas, fazer os piqueniques, contemplar as belas paisagens, participar nos convívios no Chão dos Louros, no Chão da Ribeira, no Ribeiro Frio, no Poiso, ir até aos pontos importantes para observar as aves e outros animais, estudar as plantas mas também ir até aos pontos de partida para atravessar a ilha através dos trilhos antigos, percursos pedestres e ou caminhos reais, praticar trail ou até mesmo participar em manifestações legitimas e próprias da democracia.

Depois dos factos só resta terminar esta reflexão com uma conclusão ou pelo menos com uma inferência, a estrada das Ginjas é um instrumento dos movimentos políticos e sociais - importantes para a democracia sem dúvida – mas que na nossa região têm um longo percurso para fazer, até serem verdadeiros conservacionistas ou preservacionistas.

Mas então qual é, a verdadeira questão? Para mim é a seguinte: o Governo Regional ouviu a população de S. Vicente através dos seus representantes autárquicos, os que estão próximos das localidades e comprometeu-se em pavimentar uma estrada que já estava aberta desde o séc. XX, para tal optou por preservar um elemento do património cultural, o empedrado em basalto, dando valor à Floresta e contribuindo para a segurança daquela área em termos de incêndios florestais.

Neste processo pode ser colocada a questão relativamente a abusos que poderão daí resultar. A este nível tenho confiança nos meus colegas, técnicos do governo regional que baseando-se na biologia da conservação (área da biologia e ecologia), permite elaborar uma estratégia de Conservação da Natureza, através da biogeografia, da ecologia da paisagem e princípios da ecologia, cruzando com outras ciências como a antropologia, ciências económicas e a sociologia resultando numa ação de gestão racional e equilibrada dos recursos naturais porque a afinal a espécie humana também faz parte da Natureza!